Publicado na BBC Brasil, Diário do Centro do Mundo –
“Ao longo das últimas três décadas, a desigualdade de renda aumentou na maioria dos países da OCDE, atingindo em alguns casos altas históricas”, diz o relatório In it together – Why less inequality benefits all (Juntos nisso – Por que menos desigualdade beneficia a todos, em tradução literal).
Hoje, nos países da OCDE, os 10% mais ricos ganham 9,6 vezes mais do que os 10% mais pobres. Nos anos 80, a proporção era de sete vezes mais e, na década de 2000, de 9,1.
A partir de meados dos anos 2000, as desigualdades de renda também aumentaram em grandes economias emergentes, como China, Rússia, Indonésia e África do Sul.
Já a maioria dos países da América Latina, “particularmente o Brasil”, vem reduzindo, desde o final dos anos 90, as diferenças de renda, afirma a organização.
A OCDE, que reúne 34 países, a grande maioria economias industrializadas, ressalta, no entanto, que a queda na desigualdade de renda na América Latina desacelerou a partir de 2010.
“A trajetória da América Latina contrasta com as dos países da OCDE, onde a desigualdade de renda tem aumentado desde o início dos anos 80″, disse à BBC Brasil Horácio Levy, analista de políticas sociais da organização.
“Houve, a partir do início dos anos 2000, uma queda generalizada da desigualdade na América Latina. Essa redução não ocorreu de forma tão acentuada em outras regiões”, diz Levy.
“Dessa vez o bolo cresceu, com o crescimento econômico, e foi melhor dividido. É um fato novo na realidade latino-americana”, afirma o analista.
Gini
O atual coeficiente Gini – indicador que mede a desigualdade de renda e que vai de 0 a 1 (quanto mais alto, maior é a desigualdade) – na média dos países da OCDE é de 0,32. O do Brasil é 0,55. O do México é 0,48 e, o do Chile, 0,51.
Segundo dados da OCDE, o coeficiente Gini médio de 22 países da organização em meados dos anos 80 era de 0,29. Ou seja, houve um aumento de quase 11% no índice, o que implica crescimento da desigualdade.
No Brasil, o coeficiente Gini passou de 0,6 em meados dos anos 90 para 0,55, uma queda de cerca de 8%.
O aumento das desigualdades de renda nos países desenvolvidos já havia sido destacado pelo economista francês Thomas Piketty em seu livro O Capital no Século XXI, que se tornou um best-seller internacional.
A OCDE afirma que a desigualdade de renda nos países ricos não aumentou apenas em períodos de crise, mas também durante “bons momentos econômicos”, com crescimento.
“O aumento da desigualdade está tão profundamente incorporado em nossas estruturas econômicas que será difícil reverter isso”, afirma o estudo, o terceiro sobre o tema realizado pela organização desde 2008.
Mudanças no mercado de trabalho
Um dos principais fatores que explicam o aumento da desigualdade nos países da OCDE são as mudanças ocorridas no mercado de trabalho, decorrentes da globalização, de avanços tecnológicos e de reformas regulatórias.
Pessoas qualificadas em setores com alta demanda, como tecnologia da informação ou finanças, tiveram aumentos substanciais dos ganhos, diz o relatório.
Já os empregos com baixa qualificação, que sofreram a concorrência direta de países emergentes com mão de obra bem mais barata, não tiveram o mesmo ritmo de evolução.
“O perfil da demanda de trabalho mudou muito nos países da OCDE nos últimos 30 anos. As pessoas com maior nível de formação conseguiram se adaptar e manter a qualidade do emprego”, disse Levy à BBC Brasil.
“Os empregos pouco qualificados foram os mais penalizados. A diferença salarial entre trabalhadores mais qualificados e os com menor nível de formação aumentou muito nos países desenvolvidos”, diz o analista.
Além disso, a crise financeira a partir de 2008, seguida pela crise econômica, aumentou o desemprego em vários países. Hoje, nos países da OCDE, um terço dos empregos são temporários ou de meio período.
Na América Latina, o principal fator que explica a redução das desigualdades é justamente a diminuição das diferenças salariais entre trabalhadores com alto e baixo nível de formação, o que ocorreu, afirma o estudo, em razão do maior acesso à educação nesses países.
“Os gastos na área de saúde e educação também aumentaram, o que teve impacto importante na redução das desigualdades na região”, diz o analista da OCDE.