Por que a mídia corporativa continua passando pano para os atos de corrupção de Moro e Dallagnol?

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Moro e Dallagnol nos dias atuais e, embaixo, nos tempos de glória da Lava Jato. Em 2015, o jornalista Ascânio Seleme, então diretor de O Globo, aplaude Moro recebendo o troféu ”Personalidade do Ano” das mãos do vice-presidente do Grupo Globo, João Roberto Marinho. Fotos: Reprodução de redes sociais e divulgação

A mídia lavajatista e suas mentiras




Por Ângela Carrato*, compartilhado de Viomundo

Desespero. Assim pode ser definida a situação do ex-juiz parcial Sérgio Moro e do ex-procurador federal Deltan Dallagnol depois que o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou nesta segunda-feira (18/9) que será criado um grupo de trabalho para investigar movimentações financeiras da 13ª Vara Federal de Curitiba, no âmbito da Operação Lava Jato.

A decisão de Dino aconteceu após um ofício do Corregedor Nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, no qual sugeriu essa e outras providências em relação à Lava Jato.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encontrou irregularidades de R$ 2,1 bilhões durante a gestão de Moro e falta de transparência na administração do dinheiro obtido por meio de delações e ações daquela operação.

Como se isso não bastasse, a investigação do CNJ também identificou uma triangulação entre a força-tarefa da operação e a Petrobras, tudo mediado por Moro, com o objetivo de criar a Fundação Lava Jato, que receberia R$ 2,5 bilhões da empresa.

A fundação teria a chancela da suspeitíssima ONG Transparência Internacional, que tem sede na Alemanha e atua no Brasil desde 2016, respaldando operações de suposto combate à corrupção.

O dinheiro das multas bilionárias pagas pela Petrobras por atentar contra acionistas minoritários, por exemplo, destinaram-se apenas a acionistas nos Estados Unidos e na Suíça.

O Estado brasileiro, acionista majoritário, que sofreu com esses pagamentos exorbitantes e fixados por grupos estrangeiros, não recebeu qualquer ressarcimento, como determina a lei.

Quanto ao papel da tal Fundação Lava Jato, tudo indica que ela atuaria como suporte para a ambição sem limites de Moro, Dallagnol e turma, cujo objetivo principal era destruir a economia brasileira a mando do imperialismo estadunidense.

Não por acaso as homologações de delações premiadas e a maioria das demais ações envolvendo a Lava Jato em Curitiba se deram ao arrepio da lei, com o então juiz e o então procurador federal passando por cima de instâncias superiores como a Procuradoria Geral da República e o Ministério da Justiça.

Essas são algumas das barbaridades cometidas pela Operação Lava Jato que vieram a público nos últimos dias.

Num país onde a mídia corporativa se vangloria de ser “imparcial” e de “compromisso com os fatos” era para essas informações terem virado manchetes. Não só não viraram, como a mídia corporativa as escondeu do seu respeitável público.

Se a Lava Jato foi apresentada por esta mesma mídia como “a maior operação de combate à corrupção na história do Brasil”, os brasileiros e as brasileiras têm o direito de saber o que veio depois.

Por que a mídia corporativa brasileira continua, de forma quase patética, tentando passar pano para os atos de Moro e Dallagnol?

Pior. Por que a mídia corporativa brasileira que publica editoriais indignados contra Lula e o PT, nunca divulgou uma linha defendendo uma CPI para apurar as ações da Lava Jato?

Mais grave ainda. Por que a mídia corporativa brasileira tentou desautorizar o ministro do STF, Dias Toffoli, depois de sua decisão histórica, em 6 de setembro, na qual determinou que fossem anuladas as provas do acordo de leniência da empreiteira Odebrecht (atual Novonor), usadas em acusações e condenações resultantes da Operação Lava Jato?

Toffoli reconheceu que a Lava Jato tinha objetivos “políticos e eleitorais”, que a prisão do então ex-presidente Lula foi uma “armação”, “um dos maiores erros judiciários da história do país” e determinou providências imediatas para que todos os agentes públicos envolvidos nessas ilegalidades sejam investigados e punidos.

Toffoli também anulou processos contra o juiz federal Eduardo Appio, titular da vara onde tramitam os processos da Lava jato. Appio está afastado do cargo desde maio.

A cara de pau de veículos como a TV Globo é tamanha que mesmo não tendo noticiado a decisão de Toffoli, abriu, na semana passada, generoso espaço no Jornal Nacional para que o ex-juiz suspeito Moro tentasse tumultuar o cenário político, ao acusar o Ministério da Justiça de prestar informações falsas ao STF.

Foi o que bastou para que o ministro da Justiça, Flávio Dino, desmentisse Moro. Dino afirmou que não houve cooperação formal entre autoridades do Brasil e da Suíça nas investigações sobre a Odebrecht entre 2016 e 2017.

Dito de outra forma, Moro agiu na ilegalidade. Não sem uma ponta de ironia, Dino, em suas redes sociais, desejou a Moro “boa sorte e boa viagem”.

Não é simples e nem fácil para o/a cidadão/a comum entender o fio que une todos esses fatos, mostrados – quando são mostrados -, de forma dispersa e propositalmente desarticulados por uma mídia cujo objetivo principal tem sido desinformar.

Se antes a necessidade de democratizar a mídia brasileira era defendida apenas por entidades de jornalistas e acadêmicos, a gravidade do que aconteceu começa a levar pessoas insuspeitas de hostilidade em relação à classe dominante, como é o caso do ministro do STF, Gilmar Mendes, a defender como urgente a “educação para a mídia”.

Mas vamos por partes. O que faz a mídia corporativa brasileira, Globo à frente, continuar defendendo com unhas e dentes Moro, Dallagnol e a desmoralizada Operação Lava Jato?

Em que a educação para a mídia pode contribuir para uma cidadania ativa no que se refere ao direito à informação?

Responder a essas questões envolve retornar à recente história brasileira, mais precisamente a 2014.

A Operação Lava Jato teve início em março daquele ano e contou com 80 operações autorizadas principalmente pelo então juiz Moro, que prendeu e condenou sumariamente mais de 100 pessoas, entre empresários e políticos.

A operação foi encerrada em 2021, quando não interessava mais ao governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro e a economia do país estava destroçada.

No final de 2014, a então presidente Dilma Rousseff foi reeleita para um novo mandato. A disputa havia sido extremamente difícil, com a classe dominante brasileira e seus sócios internacionais apostando tudo no candidato derrotado, o tucano Aécio Neves.

Ao não reconhecer o resultado das urnas, Aécio deu início à desestabilização do governo petista, para a qual a Operação Lava Jato iria desempenhar papel decisivo.

Oficialmente, o objetivo da Lava Jato era combater a corrupção, mas o que ela fez, na prática, foi criar artificialmente um clima anti-PT no país, atribuindo à agremiação e aos seus integrantes atos corruptos que jamais foram comprovados.

A partir de delações premiadas conseguidas de forma arbitrária (prisões, ameaças e chantagens), empresários e políticos foram obrigados a confirmar mentiras e absurdos.

Foi a partir dessas delações que empresários como Marcelo Odebrecht, herdeiro da então maior empreiteira do Brasil e uma das maiores do mundo, ficou preso por quase dois anos. Foi a partir delas também que a Lava Jato julgou, sem provas, e prendeu o ex-presidente Lula por 580 dias.

Se a Lava Jato é a responsável direta pelo golpe que depôs Dilma em 2016, sob a alegação fajuta – e recentemente anulada pela Justiça – de que ela teria cometido crime de responsabilidade, essa mesma operação foi essencial para tirar Lula da disputa eleitoral em 2018, abrindo caminho para a vitória de Bolsonaro.

Ela foi responsável direta também pela destruição das empreiteiras brasileiras, gerando caos na economia e desemprego recorde, sem falar no ódio que passou a predominar na sociedade brasileira.

É importante lembrar que o desemprego, no governo Dilma, tinha chegado à menor taxa de toda a nossa história: 3%, o que significa na prática pleno emprego.

Quanto à mídia, o papel dela nesse processo golpista foi o de mentir para a população, fazendo com que acreditasse que a Lava Jato estava combatendo a corrupção, quando  estava destruindo a economia nacional, criminalizando empresários e políticos progressistas porque isso interessava ao imperialismo estadunidense.

Como se soube depois, o Tio Sam queria se apropriar do pré-sal recém-descoberto e não aceitava e continua não aceitando um governo progressista e soberano no Brasil.

A mídia corporativa apoiou desde sempre a Lava Jato e divulgou apenas a sua versão sobre os acontecimentos.

Em 2015, o jornal O Globo concedeu ao então juiz Moro o troféu de “Personalidade do Ano” por suas ações no combate à corrupção.

A escolha de Moro se deu por um time de jornalistas da própria publicação – Aluízio Maranhão, Ancelmo Goes, Ascânio Seleme, Merval Pereira, Míriam Leitão – e pelo presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, todos lavajatistas de primeira hora.

A solenidade para entrega da premiação aconteceu no Copacabana Palace Hotel, na zona sul do Rio de Janeiro, com Moro recebendo a honraria das mãos do vice-presidente do Grupo Globo, João Roberto Marinho.

A espetacularização foi um aspecto que sempre me chamou atenção nas coberturas que a mídia, TV Globo à frente, fez das fases da Operação Lava Jato.

Ela era tamanha que em várias situações as equipes de jornalistas da emissora conseguiam chegar antes da própria Polícia Federal aos locais onde seria feito busca, apreensão ou prisão de acusados.

Daí a pergunta: se as operações eram sigilosas, quem vazava horários e locais para a Globo?

Um dos jornalistas escalados para essas coberturas, Vladimir Netto, era nada menos que o filho da lavajatista de primeira hora e colunista do Grupo Globo, Miriam Leitão. Vladimir lançou em 2016 um livro sobre Moro, exaltando-o como o herói no combate à corrupção.

No mesmo mês, o cineasta José Padilha comprou os direitos da obra de Vladimir, usando-a como roteiro para a série O Mecanismo, da Netflix.

Padilha já fez o mea culpa sobre Moro, após as revelações sobre a sua conduta e também após ele aceitar ser ministro de Bolsonaro. Mas a série da Netflix continua disponível, perpetuando a mentira que interessa ao Tio Sam.

Vladimir escondeu de Padilha e do respeitável público que, ao longo de toda a Lava Jato, funcionou como uma espécie de assessor de imprensa para a operação.

Como se não bastasse o conflito de interesses (cobrir um assunto servindo a um dos lados envolvidos), esse fato acabou levando o Grupo Globo a passar atestado de parcialidade.

Em qualquer veículo com compromisso mínimo com a ética jornalística, uma atitude assim levaria à demissão sumária. A Globo preferiu passar pano e o filho da colunista permaneceu na emissora.

Mais grave foi a decisão do grupo Globo de ignorar os vazamentos do hacker Walter Delgatti, que deram origem à série de reportagem Vaza Jato, publicada pelo portal The Intercept Brasil, em 2021.

Nelas e no livro de mesmo nome são revelados pedidos de orientação de Dallagnol dirigidos a Wladimir.

O jornalista nega a autenticidade dessas conversas, mas elas foram validadas pelo STF.

No julgamento da suspeição do ex-juiz Moro pela Suprema Corte, o ministro Gilmar Mendes citou especificamente o jornalista, dizendo que “havia um tipo de consórcio com a mídia, um tipo de assessoria de imprensa fornecido pela mídia em relação à força tarefa”.

Se não fossem esses vazamentos, mostrando o que acontecia no submundo da Lava Jato, incluindo aí a parceria criminosa de procuradores com agentes dos Estados Unidos, possivelmente o então presidente Lula poderia ter ficado mais tempo na prisão e nem ter disputado as eleições de 2022.

Dito de outra forma engana-se quem acredita que o grupo Globo agora virou “chapa branca”.

Ele continua onde sempre esteve: trabalhando contra um governo progressista, criticando a política externa séria e independente de Lula e defendendo os privilégios dos bilionários, dentre os quais se encontra a própria família Marinho.

As criminosas relações da Lava Jato com governos estrangeiros não seria um bom assunto para reportagens investigativas? Por que ainda não foram feitas?

O que a Globo tem feito, seguida pelas demais emissoras e por jornais como Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, é criticar, sem qualquer argumento lógico, a política econômica e a externa de Lula, além de tentar desautorizar o ministro Dias Toffoli, como se ele tivesse cometido um grande erro ao anular as supostas provas contra a Odebrecht e determinar a apuração de toda a cadeia de ações em que foram utilizadas pelos diversos agentes públicos.

Entre os agentes públicos que serão investigados estão Moro e Dallagnol, a juíza Gabriela Hardt, juízes do Rio de Janeiro, onde a Lava Jato local quase destruiu a indústria de óleo e gás e arrasou com a indústria naval, e membros do TRF-4, em Porto Alegre, instância que manteve e até ampliou penas determinadas por Moro.

Feitas essas investigações, dificilmente a responsabilidade desta mídia deixará de ser evidenciada.

Afinal, como explicar que ela, que foi tão “zelosa” ao criminalizar Lula por um tríplex que nunca foi dele, faça vista grossa sobre a tentativa de Moro e Dallagnol embolsarem R$ 2,1 bilhões? Não cabe perguntar onde foi parar este dinheiro?

Como explicar que a privatização a preço de banana de importantes ativos da Petrobras (refinarias, oleodutos, BR Distribuidora) nunca foi assunto abordado por esta mídia?

Ao defender Moro e Dallagnol, a mídia corporativa brasileira pretende, na prática, impedir a retomada do desenvolvimento do país e travar o terceiro mandato de Lula.

Daí o silêncio e, sempre que possível, o ataque de seus escribas a quem quer que propicie que a verdade apareça.

Daí também a importância da educação para a mídia se tornar matéria curricular desde o ensino médio.

Igualmente conhecida como letramento para a mídia, ela visa dotar todo cidadão de conhecimentos e instrumentos para que possa entender como jornais, revistas, emissora de TV, rádio e a internet funcionam.

Não cabe mais a visão ingênua de que a mídia apenas registra ou espelha os fatos. A mídia, sobretudo a corporativa, que tem dono e é mantida por anunciantes, interfere nos acontecimentos, noticiando, na maioria das vezes, apenas o que lhe interessa.

Se nos dias atuais muita gente já percebe a manipulação presente nas redes sociais, essa manipulação é bem mais antiga e seus efeitos na sociedade tem sido gravíssimos.

Para combater esta manipulação e garantir o direito de todos à informação, na Europa e nos Estados Unidos o letramento para a mídia existe há décadas.

Aqui permanece um ilustre desconhecido, o que só se explica pela comunicação no Brasil seguir dominada por seis famílias oligárquicas, que insistem em controlar o que as pessoas leem, ouvem e assistem. Até quando?

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

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