Por Aldo Fornazieri*, do Jornal GGN, publicado no Portal Fórum –
Em apenas seis meses no comando da Câmara, Cunha se ergueu na condição de homem acima da lei. Violou o regimento da Casa, humilhou colegas, agrediu os princípios constitucionais do Estado laico, ignorou ritos e procedimentos legislativos consagrados, mandou aprovar matérias que ferem direitos, encaminhou uma reforma política que representa um retrocesso e se choca com os reclamos da sociedade brasileira
Nessas alturas dos acontecimentos está claro que Eduardo Cunha não se afastará da presidência da Câmara dos Deputados, mesmo que passe da condição de investigado para a condição de denunciado. Numa democracia decente ele não poderia ter ficado num dos mais importantes cargos do Estado, mesmo na já grave condição de investigado. Provavelmente, um político nas suas condições e suspeições sequer chegaria a ocupar tão relevante cargo. Aqui, ele chegou ao poder pela conjunção de interesses hipócritas, unindo em torno de si setores de bancadas dominados pelo oportunismo político e as bancadas da oposição, dominadas pelo espírito de vendeta política e por uma inescrupulosa irresponsabilidade institucional. Mantém-se no poder pela junção de tudo isto e pela total falta de decência da bancada do PT.
Integrantes da bancada do PT já haviam praticado os indigestos atos de louvação de Cunha na instalação da CPI da Petrobrás, numa vergonhosa seção de beija-pés do presidente da Câmara, quando ele já estava na condição de denunciado. Agora, o líder da bancada petista, Sibá Machado, vem a público e declara que não vê motivos para o afastamento de Cunha. Em termos partidários, somente as bancadas do PSOL e PPS se manifestaram de forma inequívoca pelo seu afastamento.
Em apenas seis meses no comando da Câmara, Cunha se ergueu na condição de homem acima da lei. Violou o regimento da Câmara, humilhou colegas, agrediu os princípios constitucionais do Estado laico, ignorou ritos e procedimentos legislativos consagrados, mandou aprovar matérias que ferem direitos, encaminhou uma reforma política que representa um retrocesso e se choca com os reclamos da sociedade brasileira, desestabilizou a ordem econômica ao patrocinar a aprovação de pautas que oneram o Estado no momento em que o mesmo precisa conter gastos e se instituiu como senhor da decisão se haverá ou não encaminhamento do processo de impeachment da presidente Dilma.
Depois de tudo isto, agora o noticiário veicula que parlamentares e membros da CPI estão agindo em nome de Cunha para intimidar testemunhas e depoentes, na Operação Lava Jato. Que a CPI se reduziu a um mero instrumento de defesa e de coação política e pessoal em benefício de Cunha, não resta dúvida. Não é a isenção investigativa que impera nessa Comissão. Não se trata de um instrumento que quer buscar a verdade das coisas. Não é um recurso usado para coibir a corrupção e para aconselhar medidas com vistas a melhorar a eficácia do Estado. Pelo contrário, esta CPI está a serviço do acobertamento da corrupção, da manipulação de interesses políticos escusos, da degradação da nossa precária democracia.
O STF e a Sociedade não Poderão Omitir-se
Afastar Eduardo Cunha da presidência da Câmara é uma demanda do que resta de dignidade do nosso sistema político. Afastar Cunha é uma demanda de justiça. Afastar Cunha é uma exigência moral do nosso tempo para que não seja coberto de opróbrio ainda maior nas páginas futuras da história. Nessas circunstâncias, o STF não poderá omitir-se no momento em que Cunha for denunciado. Deverá afastá-lo, impedindo que um dos mais importantes poderes da República seja maculado por tal situação inaceitável. A sociedade também não poderá omitir-se. Terá que exigir, seja através de entidades representativas, seja através de manifestações individuais nos mais variados ambientes em que isto é possível, que Cunha se afaste da presidência da Câmara. Já existem razões suficientes, mesmo antes da denúncia, para que se estabeleça a exigência de seu afastamento.
E dos partidos e dos políticos, o que esperar destes? Com as raras e honrosas exceções, não se pode esperar nada, absolutamente nada, a não ser a vergonhosa omissão de uns e a criminosa conivência de outros. Os partidos e os políticos deveriam saber que eles já não têm crédito e legitimidade junto a sociedade; deveriam saber que já não são ouvidos; que já não são respeitados e que não merecem confiança e fé.
Alguns desses políticos, de quase todos os partidos, enleados nas teias da corrupção, podem até escapar do julgamento da justiça. Os omissos e coniventes podem até escapar do julgamento das urnas. Na sua arrogante pavonice, podem até acreditar que são depositários de admiração. Mas deveriam saber que são causadores de repugnância.
Julgam eles que a sociedade ignora o mal ao poder público que eles representam? Julgam eles que a sociedade não sabe dos seus privilégios, das suas omissões e da sua incompetência? Pensam eles que não serão vistos, no futuro, como destruidores da dignidade da política e como cúmplices de um Estado que apodreceu pela corrupção? Sim, e mesmo assim, acreditam que poderão continuar por muito tempo enganando o povo, com sua perpetuação no poder, com as benesses e com os privilégios.
Mal sabem eles – partidos e políticos – que do ponto de vista do juízo histórico, estão sentados no banco dos réus. Mal sabem eles que o juízo da história não será complacente e que eles já estão e serão condenados com penas severas e duríssimas. Uns porque não tiveram limites em sua corrupção; outros, porque assumiram o figurino dos oportunistas, dos omissos e dos coniventes. Não pensem os políticos atuais que poderão se evadir do juízo da história, protegidos pela noite promíscua e escusa de Brasília.
Pensar que o atual sistema político e partidário, que tem em Eduardo Cunha um de seus ícones, possa mudar e remediar-se, é algo pueril. Num momento em que os apelos revolucionários caíram em desuso, só restam à sociedade dois caminhos para sair do atual beco sem saídas da política brasileira: apelar para que a sociedade civil se mobilize, se organize, cobre e participe; e apoiar as instituições do Estado, principalmente o Ministério Público, o Judiciário, a Polícia Federal e a Receita Federal, entre outras, para que radicalizem o processo de sua republicanização.
(*) Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)