Por Paulo Eduardo Dias, compartilhado de Ponte Jornalismo –
Embora governo Doria tenha proibido o golpe conhecido por mata-leão em julho do ano passado, casos seguem sendo registrados em vídeo; última denúncia, da semana passada, traz PMs agredindo adolescente no Capão Redondo, zona sul da capital
Vetado desde julho do ano passado pelo alto comando da Polícia Militar de São Paulo, o golpe de enforcamento, conhecido como mata-leão, que pode provocar desmaio e levar à morte, segue sendo utilizado por policiais militares em bairros pobres da capital paulista. Vídeos que circulam nas redes sociais indicam ao menos duas ocorrências em que o procedimento foi adotado no final de março de 2021. A gestão João Doria (PSDB) resolveu pela proibição após diversos casos virem à tona, todos eles filmados por telefones ou câmeras de monitoramento. A morte de George Floyd, nos Estados Unidos, também contribuiu para que o comando da PM revisse os tipos de golpes a serem vetados.
A ocorrência mais recente a qual a reportagem teve acesso ocorreu no dia 27 do mês passado. As imagens mostram uma abordagem policial na periferia de São Paulo que acabou em agressões, após um PM aplicar um golpe de enforcamento em um adolescente. O caso, segundo a Secretaria da Segurança Pública, ocorreu no Capão Redondo, na zona sul da capital paulista, e envolveu adolescentes que supostamente portavam drogas.
Na imagem registrada com o uso de um celular é possível ver um PM deitado por sobre um rapaz aplicando um golpe em seu pescoço, o popular mata-leão.
Enquanto a pessoa já está imobilizada pelo PM, uma mulher, que seria a mãe do abordado, grita desesperada alertando ao policial “que está sufocando ele”. Mesmo com o apelo, o policial militar continua por sobre o homem, que começa a se debater na tentativa de se desvencilhar da ação. Um outro soldado tenta afastar as pessoas que assistem à cena. Uma outra voz, que parece ser do autor da filmagem diz “não precisa disso, não”, numa clara demonstração que o adolescente abordado não oferecia risco aos agentes.
No momento que a mulher volta a perguntar “por que está sufocando ele?”, ela é xingada pelo policial autor do golpe, que nesse instante já está ajoelhado nas costas do rapaz enquanto ele segue deitado na calçada. Nesse momento, o PM se dirige a mulher com ofensas, “sai fora, caralho”, “vai tomar no cu”, “vai se foder”.
Diante de tantos xingamentos, a mulher diz que o policial é “mal-educado” e “que polícia que é polícia não age assim”. No momento que está sendo conduzido para a viatura o jovem abordado pergunta ao PM “por que está fazendo isso comigo, senhor?”. Na sequência, o mesmo policial autor do golpe e a mãe do adolescente se esbarram, é quando o policial chuta a mulher ao menos duas vezes, até ser contido pelo seu companheiro de farda.
Enquanto o adolescente é conduzido para a viatura de prefixo M-37314 (pertencente à 3ª Companhia do 37° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), o PM que até então tentava controlar a situação saca sua arma e aponta na direção das pessoas que acompanhavam a cena. O vídeo termina quando o jovem é jogado bruscamente na viatura.
A Ouvidoria das Polícias de São Paulo instaurou um procedimento para que a Corregedoria da Polícia Militar apure as circunstâncias do vídeo que possui pouco mais de dois minutos. O órgão tomou conhecimento das imagens através da Ponte.
À Ponte, o ouvidor da polícia de SP, Elizeu Soares Lopes informou através de sua assessoria que o “Estado de São Paulo já aboliu o uso da manobra de estrangulamento, que pode resultar em tragédia. O uso da força deve ser evitado sempre que possível. Todavia, é necessário apurar as circunstâncias da ocorrência para averiguar se houve uso de força excessiva por parte dos policiais”.
Questionada se tinha conhecimento sobre o fato, a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio informou que assim que teve acesso ao vídeo o apresentou ao Ministério Público com o intuito de abertura de um procedimento. A Rede e o MP possuem um grupo de trabalho em que discutem o controle externo das polícias.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que o “caso foi registrado como ato infracional por drogas para consumo pessoal sem autorização ou em desacordo, ato infracional por falsa identidade, ato infracional por desobediência e desacato no sábado passado (27) no 47º Distrito Policial”. A pasta ainda alegou que “as partes foram ouvidas e os menores entregues a seus responsáveis legais. A equipe de investigação apura o crime de desacato. A Polícia Militar também investiga a conduta dos policias militares envolvidos no caso”.
Ocorrências semelhantes
Além da ocorrência no Capão Redondo, uma outra abordagem policial em que foi usado o golpe que causa enforcamento, teve vídeo publicado na internet no final de março. Com onze segundo de duração, as imagens mostram um policial militar, fardado e sozinho na ação, que usa um golpe conhecido como mata-leão contra um jovem. O autor do vídeo ainda conseguiu captar o momento que outro jovem aparece na cena e dá um soco no rosto do policial, que solta o rapaz que estava sendo enforcado. Quando ambos correm, o PM atira contra ele, que está de costas.
A Ponte enviou o vídeo para a Ouvidoria da Polícia, que informou que abriu um procedimento para determinar as circunstâncias dos fatos.
Um outro caso que chamou a atenção pelo uso do golpe foi a abordagem ao funkeiro Salvador da Rima, ocorrida em fevereiro, no Itaim Paulista, zona leste da capital. No início da tarde do sábado (27/2), policiais militares invadiram uma casa onde estava o músico Fábio Gabriel Salvador de Araújo, o MC Salvador da Rima, 19, e agrediram o cantor, seus amigos e familiares, diante das câmeras de celulares que registraram toda a violência.
Em entrevista para Ponte logo após ser liberado da delegacia, o músico, que tem diversas composições narrando violências policiais sofridas pela população das periferias, disse que “isso [agressão] não me abalou, só confirmou o que eu já canto”, disse MC Salvador da Rima.
Logo após a gestão João Doria decidir proibir o golpe, movimentos sociais e especialistas já apontavam que a medida não teria efeito prático e que a chance de ser desrespeitada pelos policiais era grande.
“A gente tem que discutir o tratamento da polícia, você não vai ver um policial dando um mata-leão em Alphaville, dando mata-leão em branco, não são nesses lugares que vão ter extermínio, desaparecimentos forçados, não tem invasão de condomínio. É na favela que isso acontece”, disse, à época, Débora Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio.
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas, Rafael Alcadipani, o uso contínuo do golpe mesmo após o veto ocorre por uma falta de liderança na corporação. “É muito difícil você controlar o que os PMs fazem na rua. A doutrina está muito frágil, está faltando treinamento, falta liderança”, pontuou.