Por Bruno Lupion, Nexo –
De março a dezembro, ex-presidente ultrapassou Aécio e Marina e ampliou vantagem sobre Serra e Alckmin nas simulações de primeiro turno. No mesmo período, petista se tornou réu em cinco ações penais
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vivencia em 2016 dois fenômenos à primeira vista contraditórios, mas que caminharam juntos: na mira da Lava Jato e outras operações, virou réu cinco vezes e registrou alta nas intenções de voto para a eleição presidencial de 2018.
O mais baixo nível de intenção de voto em Lula ocorreu em março, quando ele foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal de assumir a chefia da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff, um mês antes de a presidente ser afastada pelo Congresso. Desse momento até dezembro, a taxa de intenção de voto em Lula subiu e a sua rejeição, caiu:
1º TURNO
2º TURNO
Em julho, Lula perdia para Aécio, Alckmin, Serra e Marina. Em dezembro, só perdia para Marina, por 43% a 34% das intenções de voto.
REJEIÇÃO PARA 2018
As cinco ações penais abertas contra Lula
Lula é um dos principais alvos da Operação Lava Jato e também virou réu em outras investigações. O petista, que governou o país de 2003 a 2010 e deixou o Palácio do Planalto com aprovação recorde, responde hoje a cinco ações penais. As acusações são estas:
1 TENTATIVA DE ATRAPALHAR A LAVA JATO
Aberta pela Justiça Federal do Distrito Federal em 29 de julho, analisa se Lula, junto com o ex-senador Delcídio do Amaral, tentou obstruir a Justiça por meio de um plano para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, a fim de evitar sua delação premiada. O ex-presidente nega e diz que jamais conversou com Delcídio sobre o tema.
2 TRÍPLEX DO GUARUJÁ E GUARDA DE BENS
Aberta pela Justiça Federal do Paraná em 20 de setembro, analisa se o ex-presidente cometeu corrupção e lavagem de dinheiro por meio do recebimento de vantagens da empreiteira OAS no valor de R$ 3,7 milhões, por meio de reformas em um apartamento no Guarujá e serviços de armazenamento de bens pessoais. Lula nega as acusações.
3 CONTRATOS DA ODEBRECHT E BNDES
Aberta pela Justiça Federal do Distrito Federal em 13 de outubro, analisa se Lula fraudou a concessão de financiamentos do BNDES para obras da Odebrecht em Angola. O ex-presidente nega qualquer interferência nas ações do banco público e afirma que os valores que recebeu da empreiteira remuneraram palestras.
4 PROMESSAS DE BENEFÍCIOS NO GOVERNO
Aberta pela Justiça Federal do Distrito Federal de 16 de dezembro, analisa se o ex-presidente vendeu promessas de benefícios a empresas na compra de 36 caças suecos e na prorrogação de incentivos fiscais. Lula diz que não atua nas negociações atribuídas a ele pelo Ministério Público no âmbito da Operação Zelotes.
5 APARTAMENTO EM SÃO BERNARDO E TERRENO
Aberta pela Justiça Federal do Paraná em 19 de dezembro, analisa se Lula recebeu propina da Odebrecht, durante seu mandato de presidente, por meio da compra de um apartamento em São Bernardo do Campo e de um terreno, em São Paulo, que segundo os procuradores seria destinado ao Instituto Lula. Ele afirma não haver ilegalidades no apartamento e que o terreno jamais foi pedido ou utilizado pelo seu instituto.
As intenções de voto no ex-presidente
O PT considera o ex-presidente sua primeira opção para concorrer a presidente no próximo pleito. Contudo, se Lula for condenado em segunda instância por um órgão colegiado (decisão tomada conjuntamente por mais de um juiz) até 2018, será enquadrado na Ficha Limpa e não poderá se candidatar.
O Nexo pediu a três cientistas políticos que apontassem motivos para o ex-presidente estar em alta nas pesquisas, apesar do cerco cada vez mais fechado de investigações contra ele.
Por que Lula hoje lidera as pesquisas, mesmo diante de tantas acusações da Lava Jato e outras operações?
Ex-presidente tem tido sucesso em sua ‘guerra’ contra o sistema de Justiça
Fernando Schüler – Cientista político e professor do Insper
Há dois motivos. Em primeiro lugar, Lula tem usado uma estratégia de “lawfare” [uso do direito como arma de combate político] para tentar constranger a Justiça. A lógica é patrocinar uma guerra política usando seu poder de comunicação, organismos internacionais, parte da imprensa e formadores de opinião, que reverbera em sua base social, sindical, partidária e acadêmica, muito fiel e agressiva.
Lula tem sido relativamente bem sucedido nessa estratégia. É o primeiro grande político brasileiro que estrutura uma guerra contra o sistema de Justiça, no Brasil. Do ponto de vista público, ele produz uma curiosa inversão: não é ele quem está sendo julgado, mas é ele quem julga o juiz Sergio Moro, os procuradores da força-tarefa da Lava Jato e o sistema de Justiça como um todo.
Sendo líder de um partido de base fortemente ideológica, por definição acrítica, que reproduz fielmente sua estratégia e seus argumentos, ele tem conseguido produzir esse paradoxo: enquanto as investigações avançam, na opinião pública ele sofre um desgaste menor. A política se define a partir das estratégias e da ação dos atores em jogo. Lula tem sido agressivo nessa estratégia. A grande pergunta que paira sobre esse caso é: a política vencerá a Justiça?
O outro fator que explica o resultado da pesquisa é que há um vácuo no sistema político, na medida em que os vazamentos de delações atingem uma gama muito ampla de líderes políticos, inclusive presidenciáveis, aí incluindo-se presidenciáveis do PSDB e figuras de proa do governo federal, incluindo o próprio presidente Michel Temer.
Isso cria uma sensação difusa na opinião pública de que, de alguma maneira, estão todos envolvidos. Há um mal-estar difuso de comprometimento do sistema como um todo. Vivemos um estado de “indistinção ética”. E Lula, por ser o político com maior recall eleitoral, cresce nesse contexto.
Lava Jato nivelou partidos na questão da corrupção, e Lula emergiu
Leon Victor de Queiroz Barbosa – Cientista político e professor da Universidade Federal de Campina Grande
Uma vez que o impeachment se consumou, Dilma saiu dos holofotes e o PT não ficou mais tão exposto. Agora é o presidente Michel Temer quem está em exposição. E, em média, um ministro ou assessor de grande importância do seu governo cai a cada mês em função de escândalos de corrupção. Some-se a isso a PEC dos gastos públicos, a reforma da Previdência e, principalmente, a tentativa de anistiar o caixa dois e abafar a Lava-Jato.
A percepção da população era a de que, com a saída de Dilma e do PT, o problema da corrupção seria resolvido e Temer teria condições de reverter a crise econômica. Os dados econômicos dizem justamente o contrário e a Lava Jato continua dando evidências de que a corrupção não parou.
Se a corrupção persiste, a economia não dá sinais de melhora e a população pode amargar uma reforma drástica da Previdência, Lula acaba por figurar como preferido, em função da associação do seu governo ao relativo crescimento econômico e benefícios sociais. A corrupção acaba por não ser uma variável do governo do PT ou do PMDB, ela passa a ser uma constante. E se é uma constante, Lula figura como o mais cotado para governar.
Pode ser que parte da população não queira corruptos no governo (embora tolere outras corrupções, taxadas como jeitinho ou esperteza), mas é certo que outra parcela da população, mais vulnerável, está preocupada com aumento real do salário mínimo, com manutenção de empregos e com as regras da Previdência.
Lula ainda é eleitoralmente muito forte, e seus índices de preferência sobem à medida em que ele não está exposto como governo. Arrisco a dizer que ele é imune a problemas com a Lava Jato, porque boa parte dos políticos hoje está associada a problemas de caixa dois e, consequentemente, à Lava Jato. Isso os nivela na questão da corrupção e faz emergir o presidente mais popular da história. Veja que a figura impoluta, porém reclusa, de Marina Silva está bem avaliada, mas dado o propenso efeito devastador da variável corrupção, ela deveria estar bem melhor em termos de avaliação.
Alta na intenção de voto em Lula reflete perda de legitimidade do governo atual
Márcia Ribeiro Dias – Cientista política e professora da UniRio
Primeiro, temos que entender quem é essa figura. Lula foi um presidente bem avaliado pela população, responsável por medidas sociais importantes na redução da fome e da miséria. Ele tem uma reputação própria, não construída pela mídia, em virtude das políticas adotadas e de seu comportamento.
Embora haja denúncias consistentes contra uma série de políticos, inclusive do atual governo, com números e provas, há uma frequente cobertura de acusações contra o ex-presidente que nem sempre se comprovam, cujas provas não são tão consistentes. Essa inconsistência reforça argumentos desenvolvidos pelos advogados de Lula de que haveria uma perseguição política. Isso pode estar refletindo nas pesquisas.
Existe uma retórica bastante difundida de que o Ministério Público e as instituições de Justiça estão dando muito mais ênfase à investigação de políticos relacionados a um partido político, ignorando aos demais. Agora há denúncias avançando sobre PMDB e PSDB, mas não sabemos o que vai ser feito em relação a elas.
Paralelamente, o governo atual começa a implementar políticas que prejudicam a maioria da população, como a PEC 55 [do teto dos gastos], a reforma da Previdência e, no ano que vem, a reforma trabalhista. E continua a conceder privilégios às minorias influentes, gerando uma ilegitimidade. Este governo não tem pudor em se dizer impopular, mas popularidade e democracia não andam desconectadas. Isso provoca questionamento por parte da população quanto às medidas que estão sendo tomadas, de alto impacto nos direitos sociais consagrados na Constituição de 1988.
A alta na intenção de voto em Lula reflete a perda de legitimidade do governo atual. Houve denúncias que recaíram sobre políticos importantes do PSDB e do PMDB. Também há medidas impopulares avançando num acordo entre Congresso e governo.
A falta de credibilidade do governo atual leva ao fortalecimento de seus opositores. E quem é o principal opositor atualmente? O PT e o ex-presidente Lula. Não vou dizer que o PT vai ganhar em credibilidade, mas Lula tem uma reserva de reputação, tanto nacional quanto internacional.