Por Cynara Menezes, Socialista Morena –
Sim, é claro, sou a favor da desmilitarização da Polícia Militar e acho que esta é uma discussão urgente. Uma pesquisa feita com policiais de todo o país em 2014 mostrou que 76,1% dos próprios policiais militares também são a favor da desvinculação deles do Exército. Ou seja, é uma luta de todos nós, da polícia inclusive. Portanto, não acho que seja exatamente inclusivo ficar gritando “vamos acabar com a Polícia Militar” nas passeatas Fora Temer diante dos próprios, principalmente quando estão rigorosamente cumprindo a sua função: proteger os manifestantes.
Para começo de conversa, o motivo pelo qual estamos indo às ruas não é este. Não estamos indo às ruas pela desmilitarização da PM. Estamos indo às ruas porque queremos protestar contra um golpe parlamentar que houve no Brasil e contra a tentativa de um governo ilegítimo de arrancar direitos dos trabalhadores, coisa que afeta jornalistas, operários, empregados domésticos -e também policiais, que são trabalhadores como qualquer um de nós. Não estamos indo às ruas para confrontar policiais, pelo contrário: estamos lutando por coisas que também dizem respeito a eles e a seu futuro.
Se esta é uma luta nossa, acho que neste momento é um erro estratégico espantar possíveis adesões gritando palavras de ordem que soam como agressões gratuitas. Francamente, num momento em que a esquerda está sendo atacada por todo lado e que os ânimos estão acirrados, não me parece inteligente atuar para ganhar o ódio de toda uma categoria. Quem está errado, o soldado ou o comando? Eu prefiro atacar o comando e não generalizar a tropa.
Será que o policial que está na rua, que saiu do quartel com a ordem de descer o sarrafo na esquerda entende exatamente o que queremos dizer quando nós cantamos que “vamos acabar com a Polícia Militar”? Tenho cá minhas dúvidas. Eu sei o que a frase significa, sei que se refere à desmilitarização da polícia. Mas será que todos os policiais sabem? Ou acabam pensando que nós queremos acabar com o emprego deles, com a corporação deles, com a existência deles? Acho um slogan meio confuso.
Por último: confesso que tenho minhas dúvidas sobre se a luta pela desmilitarização da polícia não é uma luta vã. Se isso vai mesmo acontecer no Brasil algum dia. No momento atual, por exemplo, me parece absurdamente inatingível. Então pergunto: não seria melhor focar na humanização da Polícia Militar enquanto a desmilitarização não vem? Porque enquanto esperamos por essa desmilitarização que nunca vem, perdemos tempo precioso não atuando de forma mais efetiva pela humanização da Polícia Militar que já temos.
Digo isso porque às vezes acho que nós, de esquerda, entramos numas brigas que são importantes, mas que são tão difíceis de se concretizar que a pendenga acaba atrapalhando que achemos soluções alternativas pelo caminho (você pode dizer paliativas, mas são soluções). A desmilitarização da Polícia Militar é uma briga destas, sem tempo para acabar; ou a Lei de Meios, que enquanto a gente esperava por ela podíamos ter construído por nós mesmos, juntos, uma mídia de esquerda.
Nossos objetivos são justos, mas, em alguns casos, longínquos. Proponho a gente ir quebrando o galho pelo caminho, buscando atalhos com criatividade. Em vez de colocar o olho lá longe, ir galgando aos poucos. Sempre chamando para junto, não espantando.
Eu não quero acabar com a Polícia Militar, quero humanizar a Polícia Militar. Tenho certeza que, dentro da corporação, tem gente que não concorda com a violência, a corrupção, a impunidade. Com a perseguição à esquerda, aos professores, aos sem-teto, aos movimentos sociais. Tem gente dentro da polícia contra o racismo da polícia. Contra a injustiça do sistema. Que não quer ser o oprimido que virou opressor. Tenho certeza disso.
Pois eu quero estes PMs do nosso lado. Esta luta também é de vocês, deveria ser de vocês. Venham. Juro que não vamos pedir a vocês para pagar mico fazendo selfies.
(Ilustra: Vitor Teixeira)