Por Clara Gonzáles Freyre, em 17 jun – 2020, compartilhado de El País –
Os sorrisos nem sempre foram tão apreciados ao longo da história
Apesar de relacionarmos os sorrisos com a naturalidade e a simpatia, a história da arte nem sempre compartilhou essa visão. Basta se perder entre as salas de algum museu para observar que, em meio à multidão de personagens retratados, os sorrisos escancarados brilham por sua ausência. Não importa a data, o estilo ou a procedência, a maioria dos retratados adota um semblante sereno e sóbrio, quase distante. Por que motivos quase não encontramos sorrisos nos museus?
Algumas teorias
Vários críticos analisaram essa situação e encontraram explicações para todos os gostos. Por exemplo, é preciso levar em conta que posar para um retrato a óleo leva horas ou mesmo dias completos, em várias sessões exaustivas. Manter um sorriso, portanto, é praticamente impossível, porque é muito difícil fingir a espontaneidade que geralmente acompanha essa expressão. Pois, como aponta o artista e escritor Nicholas Jeeves em um artigo sobre o assunto, um sorriso se parece bastante com um rubor, na medida em que é uma reação impossível de manter no tempo.
Por outro lado, a consideração cultural acerca dos sorrisos foi variando ao longo da história. No século XVII, por exemplo, os aristocratas, históricos mecenas da arte, associavam os sorrisos amplos, desses que mostram os dentes, às classes sociais mais baixas, aos bufões, aos atores e aos bêbados, como os que Velázquez imortaliza em seu O triunfo de Baco. Os retratos que mostravam amplos sorrisos não correspondiam, portanto, à solenidade perseguida pela maioria das personalidades que podiam bancar uma obra desse tipo.
O interesse dos artistas do barroco holandês por imortalizar o cotidiano também os levou frequentemente a escolher como protagonistas personagens das esferas mais baixas da sociedade. Nessas obras o riso parece ser quase um fator comum, como se pode observar, por exemplo, em O filho pródigo, de Gerrit van Honthorst. Embora neste caso não se ativesse apenas às classes baixas: o próprio Rembrandt recorreu ao riso em alguns de seus autorretratos, que podem ser considerados antecessores de nossas selfies.
Alguns historiadores, como Colin Jones, encontram a explicação para esse rechaço na falta de uma higiene bucal eficiente até o século XVIII, razão pela qual mostrar a dentição era considerado pouco decoroso. Com os avanços nesse âmbito, expor os dentes passou a ser uma nova ferramenta para expressar a sensibilidade. Assim, para Jones, o Autorretrato de Marie Louise Élisabeth Vigée-Lebrun com sua filha, de 1786, é extremamente revolucionário: porque é um dos primeiros que deixam escapar um (ligeiríssimo) sorriso.
Ao longo da história é possível encontrar algumas exceções, embora com sorrisos sutis e ambíguos. Antonello di Messina, pintor do Renascimento italiano, passou à posteridade por imortalizar muitos de seus retratados com um meio sorriso, supostamente como reflexo de seus sentimentos e de sua vida interior. Sem ir mais longe, seu Retrato de marinheiro desconhecido foi considerado durante muito tempo como o sorriso mais enigmático da arte, até ser desbancado por La Gioconda.
Efetivamente, Mona Lisa (ou La Gioconda), que Leonardo da Vinci pintou no começo do século XVI, começou a atrair cada vez mais atenções durante o século XIX, até que acabou virando o sorriso (embora também discreto) mais chamativo da arte. Por que a protagonista do retrato aparece sorrindo? A resposta é um enigma, como quase tudo que cerca essa obra. Inclusive com o passar dos anos continuaram surgindo novas teorias ao seu redor. Em 2018, um cientista chegou a dizer que uma doença na tireoide obrigava a retratada a manter aquela expressão, embora muitos outros estudiosos não estivessem de acordo.
No século XX, os sorrisos foram se tornando um pouco mais comuns na arte. As melhoras na fotografia e a aparição do cinema fomentaram seu uso como uma forma de revelar as emoções internas dos retratados, o que levou alguns artistas a se lançarem a explorar seu potencial expressivo. O expressionista abstrato Willem de Kooning, por exemplo, recorreu ao sorriso para representar sua Woman I, a primeira de sua série de mulheres em que rechaça a figura tradicional feminina da Vênus e imortaliza um aspecto quase demoníaco, muito influenciado pelas deusas paleolíticas. O sorriso lhe serve para potencializar sua ferocidade.
Talvez o exemplo mais destacado de artista com um uso constante do sorriso ao longo de sua produção seja Yue Minjun, integrante do chamado Realismo Cínico chinês, que constantemente se autorretrata com sorrisos especialmente exagerados, quase maníacos. Influenciada pela história da arte oriental em sua representação de Buda e pela publicidade, o que sua risada oculta é, na verdade, uma profunda crítica política e social do país onde vive.
A seriedade nas primeiras fotos
A introdução da fotografia também representou um salto gigantesco na reprodução dos sorrisos —embora isto não tenha ocorrido desde o começo, já que as fotografias antigas transmitem uma enorme solenidade e seriedade. Alguns quiseram encontrar a explicação nas limitações tecnológicas, que exigiam tempos de exposição elevados para conseguir plasmar as fotos instantâneas. Mas, na verdade, mesmo quando as câmeras melhoraram, reduzindo esses tempos, a ausência se manteve.
O verdadeiro motivo tem mais a ver com o fato de as primeiras fotografias beberem diretamente da tradição do retrato pictórico, por isso suas referências eram mais sérias. Além disso, quem podia se permitir posar para um fotógrafo, mais do que querer guardar um momento concreto, procurava imortalizar sua própria imagem, uma imagem solene e atemporal que nada tem a ver com a fugacidade do riso. Passar à posteridade com um semblante ridículo ou zombeteiro era um medo comum.
Existem exceções, como nos retratos pictóricos. Por exemplo esta fotografia intitulada Eating Rice, China, que pertence à expedição do historiador Berthold Laufer ao país oriental, em que o protagonista sorri escancaradamente. Tirada em 1904, o que certamente faz a diferença com relação a outras imagens contemporâneas é seu objetivo: Laufer, como historiador e antropólogo em expedição ao exterior, certamente queria capturar a essência e as diferenças culturais do país onde se encontrava. Inclusive as próprias diferenças podem ser o verdadeiro motivo pelo qual o retratado não faz reparo algum em mostrar o maior de seus sorrisos.
Com a progressiva democratização da fotografia e o crescimento da publicidade, começaram a se multiplicar imagens de pessoas sorridentes na comunicação de massa: os sorrisos, como amostra de felicidade, se tornaram um gancho publicitário.
Nos últimos anos, as redes sociais parecem ter levado esta associação ainda mais longe. Hoje em dia compartilhamos nossas fotos sem descanso e sorrimos a não mais poder, já que transformamos o sorriso em uma nova maneira de socializar e de exibir nossa felicidade e autoconfiança. Embora, conforme já pareciam saber nossos antepassados, a felicidade nem sempre vem acompanhada de um sorriso.