Por que tratamos os fascistas desse jeito meio mole?

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Eu estava pensando durante o Roda Viva que os jornalistas já entraram derrotados. De nada adiantava algum desempenho extraordinário, uma presença de espírito incrível, um timing excepcional para as perguntas e tréplicas. Flávio Bolsonaro já entrou no debate vencedor — e todos estávamos capitulados.

Por Alceu Castilho, compartilhado de Construir Resistência




A única chance de um desfecho positivo dessa entrevista seria ela não ter sido realizada. Pois não se abre o microfone a um fascista e golpista, não se abre jamais, e mais grave ainda oferecer esse palanque depois de tudo o que aconteceu nos últimos anos, as 700 mil mortes, o deboche, o 8 de janeiro, Marielle, as homenagens a torturadores.

Vera e o editor do Roda Viva receberam ordens de Tarcísio? Não sabemos. No mínimo no caso dela é plausível que ainda acredite firmemente na farsa dos doisladismos, em alguma necessidade metafísica de abrirmos espaço para democratas e fascistas, como se democrático isso fosse. Mesmo tendo sido agredida sistematicamente pelos bolsonaristas.

E eis que ela levou seus jornalistas de confiança. Inclusive o Fabio Zanini, da Folha, que se especializou em cobrir a extrema direita.

A certa altura, o senador tentava justificar o planejamento do golpe (nada menos que isso, ele assumiu o planejamento do golpe) e se dirigiu a ele pelo nome:

— Imaginem que eu tenha pensado em enforcar o Fabio. Assim, uma ideia que passou pela cabeça, mas não executei. Só pensei em enforcar o Fabio, mas não levei à frente. Entenderam? É a mesma coisa…

À parte os fortes indícios de psicopatia nessa sequência antológica (com todo respeito às antas e às antologias), eu fiquei a observar a reação do Zanini, meu calouro na ECA. E fiquei com pena. Ele olhou para o lado, não sei se para a Vera, estava constrangido, claro — até porque, naquele momento, não podemos deixar de assinalar que ele estava sendo ameaçado.

Talvez Vera estivesse constrangida em realizar a entrevista? Talvez. Mas aí o correto seria pedir demissão imediatamente, diante da imposição do nome de Flavio para a roda. Ocorre que, a partir da suposição de enforcamento do entrevistado, não dava mais para fazer de conta que é possível normalizar entrevista com um cidadão tão abjeto. Por mais que tenhamos passado anos naturalizando seu pai, inclusive por omissão de profissionais como Vera.

Eu me lembro que, no início da pandemia, o Roda Viva poderia ter chamado apenas especialistas em Covid, em saúde pública, infectologia. Poderia, não: deveria. Toda semana. Mas entrava com temas e pessoas aleatórios, como se numa pandemia não estivéssemos. E o o governador de São Paulo não era o Tarcísio — algumas decisões cabem aos jornalistas. A imprensa permitiu que aceitássemos tudo aquilo, aquela matança.

E agora eu vejo o Roda Viva e presto atenção nas perguntas flácidas, às vezes até com conteúdo correto, mas com inflexões titubeantes, algumas capitulações súbitas, umas vozes meio moles, na medida em que uma das entrevistadoras fazia sua pergunta eu dizia exatamente isso para mim mesmo: “Por que ela faz as perguntas desse jeito mole?”

Por que tratamos os fascistas desse jeito meio mole?

Alceu Castilho é jornalista e diretor do site De Olho nos Ruralistas

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