Por Antonio Martins, no Blog da Redação –
Em resposta ao Facebook, Google e plataformas precarizantes como Uber, pesquisadores e ativistas mobilizam-se para criar redes pós-capitalistas, onde se compartilhe propriedade e trabalho
Se você acha que o potencial democratizador e descentralizador da internet está se perdendo em banalidades (como as timelines do Facebook), ferramentas de controle (como o Google, capaz de vigiar todos os seus passos) ou plataformas que, embora favoreçam o compartilhamento, beneficiam essencialmente seus proprietários (como Uber e AirBnB), não sinta-se sozinho. Está se espalhando rapidamente pela rede oProjeto Novo Sistema.
Lançado por dois jovens pesquisadores norte-americanos (Nathan Schneider e Trebor Sholz, apresentado num manifesto que tem, entre outros endossos, o de Noam Chomsky, ele sustenta que as sociedades articuladas em redes estão maduras para um novo sistema social, claramente pós-capitalista. Questiona pilares centrais da ordem atual – como a propriedade privada e o trabalho assalariado. Pede esforços para desenvolvimento de sistemas de internet realmente libertadoras (visando umCooperativismo de Plataforma). Acredita que é possível começar a construí-lo desde já. Mas reconhece: a tecnologia não promove as grandes mudanças sociais – para elas, é necessário consciência e mobilização de massas.
Já na abertura de seu manifesto, Schneider e Scholz relembram: as grandes tecnologias de Comunicação – rádio, TV, internet – nasceram com intenção libertadora (Bertolt Brecht acreditava nas possibilidades revolucionárias de uma radiofonia horizontal). No entanto, estas inovações são aos poucos absorvidas pela ordem social vigente. A internet vive sob intensa pressão monopolística e desfiguradora.
Não se trata apenas da espionagem onipresente, descrita por Ignacio Ramonet e praticada por agências de vigilância como a NSA. A criação de novos sistemas tornou-se complexa e cara. Esta tarefa está relegada, nas condições atuais, ao mercado: não há esforço público comparável ao necessário para criar e desenvolver algo como o Google ou mesmo o Uber. Mas o trabalho é sugado, então, pela lógica do lucro. As empresas e indivíduos endinheirados, que investem na criação de plataformas, não estão interessados no bem comum ou na emancipação do ser humano. Querem retorno, na forma de lucro rápido. Surgem sistemas ambíguos (como o Uber e o AirBnB) ou socialmente desagregadores (como o TaskRabbit, cuja finalidade essencial é contratar trabalhadores sem proteção laboral).
Para romper este círculo de ferro, dizem Shneider e Sholz, é preciso mobilização social. Antes de tudo, é hora de mostrar que as potencialidades da rede exigem uma nova economia. Que, num mundo conectado, o próprio conceito de propriedade privada está setornando obsoleto. Que é possível, de fato, estabelecer formas muito mais flexíveis de trabalho (em período parcial, intermitente, em horários alternativos) – porém, que esta mudança pode ser feita distribuindo a riqueza e assegurando a todos uma vida digna (lembre-se da ideia de uma Renda da Cidadania para todos).
O manifesto frisa que não partimos do zero: estas ideias estavam presentes no início da internet – e sistemas baseados em lógicas pós capitalistas existem e avançam. A Wikipedia – o mais conhecido – tornou possível um compartilhamento de saberes jamais imaginado antes da rede. As comunidades de software livre, baseadas no princípio da colaboração, estão vivas. Além disso, há iniciativas frescas, como o Stocksy, um banco de imagens gerido autonomamente por fotógrafos; o Resonate, em que músicos disponibilizam sua produção online; o Loconomics (em construção) que permite compartilhar trabalho em lógica não-capitalista; o http://www.timesfree.co/, por meio do qual famílias revezam-se no cuidado das crianças pequenas. Surgem inclusive, em todo o mundo, cooperativas especializadas em desenvolver tais sistemas – como Backfeed, Swarm, Consensys ou, no Brasil, Noosfero.
Porém, como fortalecer e difundir estas iniciativas – como evitar que fiquem à margem, numa internet dominada por mastodontes e submetida à vigilância? O manifesto lembra, felizmente, que o decisivo é a mobilização social. Recursos públicos são necessários para reunir grandes grupos de programadores e produzir plataformas robustas, eficazes, atraentes. A luta para assegurá-los será sempre política. Um dos documentos no site criado por Schneider e Sholz sustenta: mudança de sistema exige organização das sociedades.
Em 13 e 14 de novembro, nos EUA, uma série de diálogos debateu caminhos para a mobilização por uma nova internet. Teve caráter amplo. Participaram desde criadores de novas plataformas até trabalhadores (como os do Walmart) que estão empenhados na constituição de um novo sindicalismo, em rede (e têm alcançado vitórias).
Quais caminhos concretos para livrar a internet do que parece ser hoje a tendência predominante, e resgatar seu caráter rebelde de compartilhamento, decentralização , possível democracia radical? O esforço de Schneider e Sholz não se desenvolveu a ponto de oferecer uma resposta. Construí-la exigirá, certamente, esforço de mais gente – inclusive o seu… Mas a convocatória do encontro de novembro poderia servir de estímulo para uma das tarefas centrais que enfrentaremos, nos anos turbulentos que virão, os que lutamos por outro mundo possível. “Queremos ampliar o coro crescente que pede controle real das sociedades sobre os sistemas que determinam a forma de nossas vidas. É hora de colocar na rede uma nova Economia da Solidariedade”…