Porque a classe média brasileira está dividida nesta eleição

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Por Leonardo Avritzer para Carta Maior – 

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Em um artigo publicado na última sexta feira, o diretor do DataFolha Mauro Paulino chama a atenção para a divisão da classe média brasileira expressa na última pesquisa do Instituto. Para mostrar melhor o fenômeno, ele dividiu a classe média em três grupos: alta, intermediária e baixa. O candidato Aécio Neves vence com 67% dos votos na classe média alta e Dilma Rousseff vence nas outros dois segmentos com 52% e 53% respectivamente. Vale a pena fazer uma análise qualitativa destes resultados para entendermos melhor os dilemas da classe média brasileira nesta eleição.




O Brasil sempre teve uma classe média atípica se tomamos com padrão a classe média dos países desenvolvidos. O motivo desta atipicidade reside no fato da classe média brasileira usufruir de dois elementos de natureza contraditória: de um lado, ela usufrui intensamente dos bens de consumo duráveis e não duráveis, carros, eletrodomésticos e outros produtos eletrônicos que constituem parte integrante do padrão de consumo de qualquer classe média nos países desenvolvidos. De outro lado, nós temos uma classe média que, até pouco tempo atrás, ainda usufruía de uma abundância de mão de obra barata gerada pelo nosso processo de colonização e por uma urbanização atípica.

Assim, a mesma classe média que usufrui de carros e máquinas tinha acesso a serviços que a classe média europeia deixou de ter depois da primeira guerra mundial e que a americana nunca teve. Até o recente boom econômico da última década tínhamos uma classe média atípica com acesso fácil a um mercado de saúde e educação privada, todos estes fatores propiciados por uma desigualdade no nível de educação e consequentemente no valor do trabalho nestes setores.

O forte crescimento econômico dos últimos anos foi provocado como sabemos por três fatores complementares: um programa de transferência de renda, o bolsa família, aumentos reais importantes do salário mínimo e um aquecimento do mercado de trabalho na área de serviços que aumentou os ganhos reais do setor informal da economia. Todos estes fatores diferenciaram a classe média e os seus diferentes setores. Todos estes fatores ajudaram a criar aquilo que é denominado de nova classe média, isto é, um contingente de aproximadamente 50% da população brasileira que tem renda familiar entre 1.000 e 4.000 reais.

Este segmento mudou a sociedade brasileira e quando pensamos no impacto político deste fenômeno, percebemos que muito pouca gente na sociedade brasileira o critica. A sociedade brasileira como um todo parece se orgulhar da queda da desigualdade e do acesso a bens de consumo duráveis por um novo contingente de brasileiros. No entanto, como iremos mostrar abaixo este fenômeno alterou a relação entre a classe média baixa e alta e teve forte impacto político que está se manifestando nesta eleição.

A classe média brasileira tradicional também chamada de alta foi fortemente afetada pelas mudanças que reduziram a desigualdade e levaram à mobilidade no mercado de trabalho. Como ela é, diferentemente da classe média nos Estados Unidas e na Europa, forte consumidora de serviços domésticos, ela foi afetada pelas mudanças no mercado de trabalho destes serviços. A inflação do setor de serviços subiu mais 104% entre 2004 e 2014 e afetou especialmente este setor da classe média. Ao mesmo tempo, a explosão dos preços com alimentação também provocou um forte estrago no orçamento deste setor. Mas, não vamos tapar o sol com a peneira. A classe média tradicional no Brasil também se viu afetada por uma questão de status. Ao mesmo tempo, que ela se vê pressionada pelo aumento dos preços no setor de serviços ela se vê cada vez mais distante da chamada classe alta que manteve o seu padrão de consumo. Ao mesmo tempo, ela se aproxima da nova classe média que é uma forte consumidora dos serviços públicos de saúde e educação.

Não é difícil ver que este é o fenômeno fundamental que está por trás da forte mudança de postura da chamada classe média alta na política brasileira. É ela que está por trás da forte rejeição ao PT e ao governo Dilma no estado de São Paulo e nas principais capitais do Sudeste e da região Sul que são os lugares onde a classe média alta predomina. Esta rejeição tem dois discursos, um deles sutil e um deles nem tanto sutil. O sútil é um discurso onde muitas vezes transpira levemente o preconceito contra o Nordeste ou contra as pessoas que andam de avião ou compram um carro pela primeira vez. A versão menos sútil investe contra os mais pobres, os programas de transferência de renda e os novos setores incluídos da população brasileira.

Neste momento do segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, não é possível saber se este discurso vai prevalecer. A única coisa que é possível dizer é que ele é um discurso profundamente anti-moderno e que mesmo um candidato conservador como Aécio Neves não poderá girar a roda da inclusão social para trás. Acabou o período em que a classe média brasileira tinha acesso a serviços baratos, produzidos por um exército de excluídos. O que está colocado para a classe média brasileira é se contentar com os benefício que um país mais igual pode gerar e que não são poucos. Nesta nova condição, a luta por serviços públicos de qualidade produzidos por um setor público produtivo e bem remunerado é o que está em jogo. Aqueles que votam em Aécio Neves buscando uma volta ao passado baseada em um pseudo-status rapidamente irão perceber que tal status é impossível de existir no Brasil atual.

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