Por João Paulo Porto, Médico Pediatra e Neurologista Infantil, para Brasil Post –
Acontece que, há 4 gerações, o avô do avô dela era escravo. Logo após a abolição da escravatura, ele foi expulso da fazenda onde trabalhava por ser velho demais e acabou morando na rua, com uma família de 4 pessoas, até morrer de tuberculose.
O pai do avô dela, seu filho, teve que sustentar a família fazendo bicos e cometendo pequenos delitos, de forma que foi preso logo após engravidar a mãe do avô dela, dando origem, claro, ao avô dela.
Esse avô nasceu já sem pai, pois o mesmo faleceu na prisão, quando ele tinha 8 anos de idade. Cresceu sem possibilidade de estudo, tendo que trabalhar desde muito novo, para sustentar a mãe e 3 irmãos mais novos, de outra relação da mãe. Essas 4 crianças ficaram sozinhas quando ele tinha 15 anos, após o falecimento dela. Trabalhando em fazendas, teve 5 filhos, o quinto, seu pai.
Ele nunca foi à escola, cresceu na fazenda e quando ser tornou homem feito, casou-se e teve 4 filhos, incluindo essa mãe. Ela também cresceu na fazenda e não teve chance de estudar. Hoje, faz faxinas e faz questão de que os filhos estudem.
– Você é muito inteligente. – disse eu ao garoto.
– Obrigado.
– Já sabe o que vai ser quando você crescer?
– Já. Vou ser caminhoneiro.
– Mas não pensou em outra coisa, você tem muita capacidade, pode ser qualquer coisa!
– Bem, eu queria mesmo ser médico…
– Ora, então seja!!
– Não posso!
– Não pode? Não pode por que?
– Porque eu sou negro.
Imagine você o porquê de ele pensar assim. Imagine você como estar há 5 gerações da escravatura pode ter influenciado a história dessa família e a atual condição dessa criança. Imagine como o preconceito de décadas minou as chances dessa família de dar aos seus descendentes uma vida melhor do que tiveram…
Imagine agora, o quanto você é absurdamente privilegiado em relação a eles.
Agora, tente novamente encher a boca pra dizer que a questão racial não é mais relevante, que cotas não são justas, que programas de distribuição de renda são coisa de vagabundo e que você tem o que tem hoje realmente por mérito seu…