Porque Paquetá se fez respeitar?

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Por Guto Pires, jornalista – 

Contra uma concessionária vil e predadora, uma decisão judicial brutal e escandalosa e um governo fanfarrão e conivente, Paquetá venceu e obteve a revogação total da grade de horários das barcas anunciada às vésperas do Natal.

Sim, dessa vez a luta não se resumiu a um único dia de quebra-quebra nas barcas seguido pela humilhante adaptação da rotina imposta pelos novos horários. Dessa vez a história foi bem outra.




Toda a indignação foi canalizada para as assembleias que, soberanamente, decidiram os rumos da luta da comunidade. Todos os setores da ilha deram as mãos. As vozes de Paquetá ecoaram em todo o Rio e além. Ganharam a simpatia e solidariedade da imprensa e sociedade.

Paquetá se fez respeitar.
Mas, como? Por que? O que mudou? As respostas remetem a poucos anos atrás e apontam para as recentes experiências de organização e luta da comunidade paquetaenseA Associação dos Moradores, MORENA, o Conselho Comunitário de Segurança, CCS e XXI RA, Região Administrativa,

Em 2016, após anos de inatividade, a reabertura da Associação de Moradores da Ilha de Paquetá – MORENA, deu início ao processo de reconstrução da representatividade da entidade, coroado agora com uma verdadeira consagração junto ao povo da ilha.
No final de 2017, uma gestão de viés elitista e autoritário do Conselho Comunitário de Segurança (CCS) de Paquetá deu lugar a um novo mandato participativo e democrático.

As duas mudanças resultaram numa terceira, em fins de 2018: a XXI Região Administrativa (RA) tornou-se a primeira do Rio de Janeiro a ter o Administrador Regional indicado pelos próprios moradores.

APARTIDARISMO. As três siglas – MORENA, CCS e XXI RA – investiram esforços numa atuação conjunta, sempre que possível, e marcadamente apartidária (num momento de intensa polarização política em todo o país). Tanto a mobilização para substituir o Administrador, em 2018, quanto a luta pela revogação da grade de horários da CCR Barcas, tiveram no apartidarismo – jamais no apoliticismo – um fator estratégico para unir esquerda e direita, ombro a ombro, numa improvável coesão e unidade que conferiu – em ambos os momentos – uma gigantesca legitimidade e força política aos respectivos movimentos.

O apartidarismo explícito e zeloso, acompanhado da afirmação da política – jamais da sua negação – nada teve de atrasado ou conservador, ao contrário: foi a expressão do pacto indispensável para que uma entidade ou instituição popular, sindical ou territorial, possa representar, de fato, a totalidade do seu público – filiados ou não.

Em cada “MORENA na Praça”, em cada reunião mensal do CCS e em todas as manifestações da XXI RA, o apartidarismo revelou-se tão essencial quanto a afirmação da política e foi um dos principais ingredientes da receita vitoriosa cozida em fogo alto pelos paquetaenses.

Em todas essas ocasiões, o caráter apartidário veio acompanhado de outro valor sagrado: a democracia interna das mobilizações.
DEMOCRACIA. A soberania das assembleias de moradores foi o segundo fator responsável pela solidez incomparável da mobilização pela revogação da grade de horários. Essa vivência democrática já era conhecida por crescentes parcelas da população da ilha que tinham participado, em anos recentes, da luta pela creche, da derrubada de um administrador, de uma ampla campanha de trânsito, da mobilização contra o desabastecimento de gás, e outras lutas lideradas pela MORENA, com o apoio do CCS e XXI RA.

A confiança adquirida nas lutas anteriores foi vital. Tão logo houve o anúncio da nova grade de horários, em período natalino, a resposta dos moradores ao chamado da MORENA foi imediata: uma assembleia com mais de 500 participantes que tornou insuficiente o espaço do Salão Paroquial e teve de ser transferida para o átrio da Igreja Bom Jesus do Monte superlotada.

Cada assembleia – foram cerca de 10 ao longo dos 59 dias de luta – tomou suas decisões, soberanamente, inclusive contra a posição defendida pelas diretorias da MORENA, CCS e XXI RA, que encaminharam com todo o ardor e compromisso a posição majoritária: revogação total da grade de horários anunciada pela CCR.

Naquele momento da mobilização, no qual houve quem temesse pela unidade do movimento, foi exatamente quando irrompeu a força democrática maior. Aumentava a olhos vistos a confiança dos moradores, tanto na possibilidade de vitória quanto na direção da mobilização.

UNIÃO
A vivência da união de todos os setores da ilha, em favor de uma reivindicação ou meta comum, também já havia sido experimentada. Escola, Hospital, Preventório, Comércio, Clubes, tinham dado as mãos em diferentes momentos: as eleições pro CCS, o centenário do Municipal, a campanha do trânsito, dentre outros.
Assim que foi divulgada a nova grade de horários das barcas, todos os segmentos de Paquetá reagiram como a uma ordem unida e se juntaram num pacto de unidade: a revogação total da grade anunciada. Os níveis de engajamento e participação de cada setor assumiram uma dimensão inigualável. A tal ponto que tornou possível a realização até mesmo de um ato inter-religioso, com a participação de todas as lideranças religiosas da ilha.

SOLIDARIEDADE. Muito rapidamente este perfil da mobilização dos moradores – apartidário, democrático, massivo e combativo – ganhou a solidariedade da opinião pública do Rio e para além do Estado. Caiu nas graças da cobertura da imprensa, amplamente favorável aos paquetaenses.
Cada movimento da mobilização alimentava a mídia que retroalimentava a própria mobilização. Processo que perdurou por impensáveis 8 semanas!

PRESSÃO POLÍTICA. Nesse cenário de alianças, com a opinião pública do Rio e com a própria imprensa, e com base numa massiva e coesa mobilização na ilha, a capacidade de pressão política do movimento aumentou exponencialmente. Paquetá deixou de ser a pequena ilha abandonada pelos poderes públicos porque não tem votos para eleger ninguém. Saltou para a poderosa posição de quem tira votos em escala desproporcional e inversa ao tamanho de sua população.
Denunciamos e desgastamos a imagem e reputação da CCR Barcas, protestamos contra a decisão judicial no Forum do RJ, fomos recebidos pela Casa Civil após um ato público em frente ao Palácio Guanabara e buscamos a ALERJ para pavimentar a estrada que tornaria viável a revogação desejada, via aporte de recursos do Poder Legislativo.

CONSENSO DEMOCRÁTICO. O acúmulo de vitórias parciais, especialmente o apoio midiático e simpatia crescente da opinião pública do Rio, tornou nossa reivindicação – a revogação total – um grande consenso democrático. Durante a audiência pública, na ALERJ, deputados de todos os partidos assumiram a defesa da volta da antiga grade de horários para Paquetá.
Foi por não ter mais nenhuma condição política de evitar a vitória de Paquetá que o governo aportou mais R$2 milhões aos já aportados R$5 milhões da ALERJ e foi firmado o Termo de Ajustamento de Conduta que encerrou a luta. Por enquanto. Temos de exigir nossa participação no desenho da nova licitação e vamos cobrar a qualidade dos serviços da CCR Barcas a cada dia.

SALDO ORGANIZATIVO. Um dos maiores e mais belos aspectos do movimento #respeitapaquetá foi o salto de representatividade conquistado pela MORENA. O reconhecimento da liderança da associação de moradores revelou-se amplo e entusiasmado. Esse cenário coloca a necessidade de promover uma organizada e abrangente campanha de filiação de novos associados, para atender ao apoio e incentivo dos moradores.

Dotar a MORENA de uma sede, endereço e telefone, equipamento de som móvel para a comunicação extra redes sociais e informatização administrativa, dentre outros avanços, são tarefas necessárias e possíveis.
No CCS de Paquetá, é preciso garantir a formação de uma chapa para a renovação de uma gestão participativa e democrática, no biênio 2020/2021, para que não haja uma quebra da unidade entre o Conselho, a MORENA e a XXI RA. Esta última, muitas vezes pouco compreendida em seus limites imensos – o que não retira sua grande importância para Paquetá – precisa ser apoiada pela comunidade, sem prejuízo dos embates com o poder público municipal, quando se fazem necessários.

Paquetá se fez respeitar a partir da reconstrução e reinvenção de suas organizações. Esse é o caminho sem volta que escolhemos trilhar para a preservação dos nossos direitos e de nossa ilha querida e seu modo especial de vida.
#respeitapaquetá

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