Por Adriana do Amaral, jornalista
Admira-me a relutância da sociedade brasileira em adequar-se à nomenclatura correta. Arrepio-me e fico constrangida cada vez que leio/ouço formadores de opinião, tanto na mídia quanto na academia, referirem-se às pessoas com deficiência como “portadores de deficiência”. Os anos passam, mas o equívoco continua “numa boa”.
Portador? Não. Ninguém carrega uma deficiência.
Outros termos muito usados são: pessoas especiais, presentes de Deus e por aí vai. É preciso deixar claro que as pessoas com deficiência são cidadãos de direitos, com habilidades e restrições diversas e que nos apresentam universos múltiplos de competência. Desafiam-nos em nosso comodismo de indivíduos (im)perfeitos.
No Brasil, contamos com uma boa base legal, que garante os direitos da pessoa com deficiências: Lei de Cotas (8.213/91), Lei Brasileira de Inclusão , conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência e até um idioma oficial, Libras, que é a Lingua Brasileira de Sinais.
Mais de 17 milhões de pessoas com mais de dois anos, de acordo com o IBGE (dados de 2019). Direito à vida, à educação, ao trabalho. Só que não.
A polêmica da vez é a discussão sobre o ROL Taxativo. E mais uma vez a sociedade de mobiliza contra a exclusão arbitrária, que pode cercear o desenvolvimento de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), dificultando a cobertura à assistência médica via planos de saúde.
Entenda o que é o Rol Taxativo
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, em março, e reiterada pelo Supremo Tribunal Federal, recentemente, a resolução permite aos planos de saúde complementar excluir da lista de beneficiários pacientes com patologias que não constam da listagem da Agência Nacional da Saúde (ANS). O que penaliza sobremaneira o universo de pessoas com doenças raras, crônicas e ou contempladas no universo do autismo. Desde pacientes que não conseguem se comunicar à superdotados intelectualmente.
Como desabafou uma profissional de saúde, mãe de criança autista, amiga minha: “É o mal vindo à tona em forma de lei”. Psicóloga e enfermeira, ela alerta que uma criança com autismo, dependendo das suas características pessoais e clínicas, para desenvolver plenamente as suas habilidades, pode necessitar de até dez horas diárias de assistência multidisciplinar.
Lembro ainda que a família também precisará de apoio. Quem não se lembra do caso da Ana Paula, mãe que morreu na sua própria casa, em Minas Gerais, e o filho com autismo sobreviveu dias sozinho até que alguém sentiu falta de ambos?
“Eu sinto muito, Ana Paula”, foi um movimento que revelou o drama do menor de seis anos que conviveu sozinho com a mãe morta durante 12 dias. Aos 39 anos, mãe solo, Ana Paula morreu sem receber socorro, em consequência de um infarto.
Até onde a política neoliberal pode avançar na priorização do lucro e descarte da vida humana? Lembro que cada política pública voltada para uma pessoa com deficiência beneficia sobremaneira a sociedade. Seja uma gestante, mãe com criança no colo, idosos, pessoas com restrição de mobilidade temporária. Incluir faz bem.
Rol taxativo mata.