Povo Pataxó aposta no isolamento, mas enfrenta perdas, privações e empobrecimento

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Por Alice Pataxó , compartilhado de Projeto Colabora – 

Apesar da consciência, etnia conta quatro vítimas e sofre com desesperança, diante do crescimento da contaminação e a angústia da falta de vacinas, Geração de renda é outro desafio

Na terra que maltrata os indígenas desde a invasão portuguesa (aprendemos que não foi descobrimento, né??), há mais de 500 anos, a covid-19 atingiu duramente esses povos originários. O cenário conjuga tristeza, perdas e abandono para etnias vítimas ainda de muito preconceito. Esquecidos pelos governantes, os indígenas amargaram muitas perdas e se viram amputados de vários rituais. E o futuro não se desenha melhor. A reportagem especial “Pandemia, um ano – olhares indígenas femininos” lista as tragédias que cercaram o povo Pataxó da Bahia, no relato de Alice Pataxó.




“A pandemia não nos tirou apenas a rotina, as vidas compartilhadas em comunidades, uma sociedade que se abraça; levou de nós muitos de nossos líderes, nossas histórias e memórias.”

A covid-19 chegou ao Brasil em março de 2020, mas só em 6 de janeiro de 2021 surgiu a confirmação do primeiro caso na Aldeia Indígena Pataxó Craveiro, no Território Barra Velha/Aldeia Mãe Pataxó, em Prado (BA). A doença atingiu um homem de 45 anos e causou certo medo na comunidade isolada pelo distanciamento social desde o início da crise, cumprindo rigorosamente todas as medidas recomendadas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Nove dias depois foram confirmados outros cinco casos, notificados pelo boletim Epidemiológico da Sesai.

O povo Pataxó sofreu cinco grandes perdas – quatro na Bahia e o outro em Minas Gerais (segundo o Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena); entre elas um grande guerreiro da juventude indígena que marcou a luta de sua geração: Edmilson Torres Ferreira-Jaguatiri Pataxó da Aldeia Nova Coroa em Santa Cruz Cabrália (BA). Ele faleceu em decorrência de insuficiência cardíaca causada pelo covid, no primeiro dia de 2021. De lá para cá, novos casos surgem dentro das aldeias, o vírus contamina mais rapidamente, exigindo o isolamento ainda mais eficaz de todas as comunidades.

A comunidade iniciou a quarentena por conta própria no ano passado, devido ao temor da chegada do vírus, que poderia atingir seus 12 anciões, memórias da luta do povo. Aldeias vizinhas registraram grandes números de infectados –  a Trevo do Parque, em Itamaraju, confirmou 62 casos, e a Corumbauzinho 19 (ambas registraram 100% de curados). Das 20 aldeias que entram na contagem da Sesai, apenas quatro não têm infectados. No total, 180 indígenas no território se recuperaram.

A Aldeia Craveiro, atualmente com 46 famílias residentes e aproximadamente 250 habitantes, paralisou aulas, cancelou atividades culturais e manteve-se em isolamento; grandes manifestações culturais e religiosas foram feitas em silêncio dentro de nossas casas. As aulas remotas enfrentam o desafio da falta de acesso à internet, em uma localidade onde telefone celular não tem sinal, e a chuva prejudica o funcionamento da solitária torre da região.

Entre as muitas dificuldades, os alunos e professores indígenas temeram pelo desempenho no Enem. O povo Pataxó se manifestou contra a realização do exame, com medo do aumento de infectados dentro dos territórios, pela saída dos estudantes. Sem solução para o impasse, os jovens da aldeia Craveiro se negaram a fazer o exame, que teve a primeira etapa no domingo 17 de janeiro.

Na economia, o estrago foi semelhante. Há algum tempo, as comunidades Pataxó uniram-se para vender a produção da agricultura familiar e da pesca marítima, mas com a pandemia os itens passaram a ser trocados somente dentro das comunidades. , Produtores de farinha negociavam com pescadores, agricultores de legumes e frutas negociavam com criadores de artesanato e assim por diante. O povo recuou nos avanços para evitar a circulação de pessoas de fora.

Jovens e adultos empenharam-se para garantir a segurança e a saúde dos anciões e filhos, revezando-se em uma barreira sanitária durante 14 horas diárias. A aldeia, então, se fechou, proibindo a entrada e a permanência de estranhos. A exceção é o carro de assistência básica da Sesai, que pode entrar mediante aviso, circulação da equipe de saúde ou atendimento de emergência.

A realidade se assemelha à de muitas aldeias indígenas no Brasil, órfãs de qualquer assistência e obrigadas a lutar sozinhas pela vida durante a pandemia. O primeiro caso registrado de covid-19 entre indígenas brasileiros foi no povo Kokama, em março de 2020. Segundo a contagem da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB, 48.958 indígenas foram infectados, com 969 mortes em 162 povos diferentes.

Graças aos esforços da ciência, a vacinação no Brasil começou em 17 de janeiro e a primeira indígena imunizada foi Vanuzia Costa Santos, 50 anos, do povo Kaimbé. Ela é enfermeira e assistente social, moradora da Aldeia Multiétnica Filhos Desta Terra, em Guarulhos (SP), onde vivem representantes das etnias Pankararu, Pankararé, Wassu Cocal e Tupi.

Assim como em outros povos, na Aldeia Craveiro a vacinação sofre rejeição – as fake news chegaram aos indígenas, dificultando o trabalho de imunização. Mas o combate a todas as formas de ignorância e desinformação também começou: comunicadores e organizações têm trabalhado em campanhas de conscientização, como a #VACINAPARENTE da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) incentivando comunidades a se imunizarem contra a covid-19.

A vacinação carrega angústia real, a de não chegar a todos. O plano estabelecido pelo governo exclui territórios não demarcados e indígenas em contexto urbano. Cabe agora a sociedade brasileira se unir pela saúde do maior grupo de risco de todos, os Povos Originários do Brasil.

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