Doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, autor de centenas de artigos científicos sobre os desmatamentos, queimadas e mudanças climáticas, Fearnside acompanha a cada ano a chamada “temporada das queimadas” na Amazônia. “Há sinais de que o ano Prodes de 2021, que está iniciando este mês de agosto, pode ser ainda pior”, alerta o pesquisador, que é também colunista da agência Amazônia Real.
O Prodes é o Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que deste 1988 detecta com muita precisão a taxa de desmatamento anual na região amazônica. No período de 2019 a agosto de 2020 a floresta perdeu 9,2 mil quilômetros quadrados, uma área equivalente a seis vezes o tamanho do município de São Paulo.
Com o aumento dos desmatamentos, as queimadas chegaram ao ápice no mês de julho. Estados como Pará, Amazonas e Mato Grosso, que abrigam a maior parte de florestas nativas do bioma Amazônia, têm respectivamente 30%, 26% e 3% mais focos de calor este ano do que os registrados no mesmo período de janeiro a agosto de 2019. Os dados são do Inpe.
Philip Fearnside (Foto Alberto Cesar)
Além do desmonte da política ambiental no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), para Philip Fearnside é o discurso do próprio presidente que “encoraja o desmate”. O cientista diz isso porque o governo mantém as tropas federais na região para impedir os desmatamentos. Já proibiu a queimada da floresta pela agropecuária, mas nada parece mudar. As Forças Armadas estão na área sob o comando do vice Presidente general Hamilton Mourão. À frente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o militar tem sido cobrado pelos empresários do agronegócio por causa do aumento dos desmatamentos, pois países que importam os produtos do setor ameaçam boicotar o Brasil por causa da política anti ambientalista de Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles .
Para Fearnside, com a pandemia do novo coronavírus o momento ficou mais crítico na Amazônia e o “governo precisa reconstruir tudo que foi desmontado na área ambiental e depois fortalecer esta área mais ainda”. Sobre Salles, o cientista é taxativo: “precisa [Bolsonaro] trocar imediatamente o ministro do meio ambiente por uma pessoa com compromisso com a área ambiental”, diz. Leia a seguir entrevista exclusiva:
Amazônia Real – Quando começou a nova temporada de queimadas na Amazônia?
Philip Martin Fearnside – Todo ano a temporada de queimadas começa no sul da Amazônia e se desloca para o norte. Este ano, em junho, tinha 253 focos de fogo em Mato Grosso e zero no Amazonas, e em julho tinha 146 focos em Mato Grosso e 5 no Amazonas. Agora já está explodindo no Amazonas, começando no sul do estado.
Os 503 “fogos grandes” na Amazônia brasileira de maio até 21 de agosto estão indicados neste mapa:
“Fogos grandes” até 21/08/20. Fonte: https://maaproject.org/2020/brazil-500/
Como se vê, o Estado do Amazonas está em destaque, com grandes fogos todo ao longo da Transamazônica na divisa com Pará até Humaitá, e outros focos em Boca do Acre e no sul de Lábrea. Dos “grandes fogos” na Amazônia brasileira, 97% eram depois da moratório, que começou em 15 de julho, ou seja, são ilegais. O mês de agosto representa 85% dos fogos. O que choca mais é que 12% (66 mil hectares) disto são incêndios florestais.
Amazônia Real – Os madeireiros deixaram de atear fogo mesmo em 2019?
Fearnside – Os fogos geralmente são ateados por pecuaristas e agricultores, não por madeireiros. Queimar as áreas recém-derrubadas é a maneira mais barata para preparar as áreas para plantio, e o fogo também é usado para combate ao mato (invasores lenhosos) nas pastagens. Estes fogos podem entrar na floresta e provocar incêndios florestais.
Amazônia Real – Eles driblaram as ações do governo Bolsonaro?
Fearnside – As ações do governo para parar o uso do fogo enfrentam sérios problemas. Quando se trata de muitos milhares de pontos de fogo, é inviável que inspetores chegam a todos para multar. Mesmo chegando a um ponto de fogo ativo, uma vez iniciado o fogo não é possível simplesmente pará-lo. O que realmente precisava era de coibir o desmatamento, que vem antes da queimada. Isto não aconteceu. Além do desmonte do IBAMA , o discurso do governo passava uma mensagem clara que encorajava o desmate.
Equipes do Prevfogo trafegando em área de desmatamento e queimadas em Apuí (AM)
(Foto de Bruno Kelly/Amazônia Real/2020)
Amazônia Real – Qual é a situação atual na Amazônia? Vai ser pior do que 2020?
Fearnside – Embora o ano calendário 2020 ainda esteja em curso, o ano “Prodes” de 2020, para os números oficiais do desmatamento, já terminou no final de julho. Os dados do programa Prodes, do INPE, vão de agosto de um ano a julho do próximo. Há sinais de que o ano Prodes de 2021, que está iniciando este mês de agosto, pode ser ainda pior, pois o desmonte da área ambiental continua e o discurso do governo já levou as pessoas nas frentes de desmatamento a crerem que quaisquer violações ambientais serão depois perdoadas, e esta crença, até agora válida de fato, já está bem estabelecida.
Amazônia Real – Com a pandemia e a negação de Bolsonaro com relação ao desmatamento, a Amazônia virou uma combustão?
Fearnside – A negação da quantidade e das consequências do desmatamento levam ao quadro triste ambiental que estamos vendo. As negações dos impactos de grandes obras, como da rodovia BR-319, condenam vastas áreas ao desmatamento futuro. A negação da seriedade da pandemia de coronavírus leva a falta de medidas adequadas para controlar o seu espalhamento, o que já está tendo um impacto sério sobre povos indígenas. Além destes povos perderam o direito de viver e de manter suas culturas, eles têm um papel fundamental em manter a floresta amazônica.
Desmatamento na Terra Indígena Uru Eu-Wau-Wau, em Rondônia
(Foto de Marizilda Cruppe/WWF Brasil)
Amazônia Real – Como o senhor avalia essa situação neste momento crítica fragilidade na fiscalização ambiental?
Philip Fearnside – É um momento crítico. O governo precisa reconstruir tudo que foi desmontado na área ambiental e depois fortalecer esta área mais ainda. Precisa trocar imediatamente o ministro do meio ambiente [Ricardo Salles] por uma pessoa com compromisso com a área ambiental. O novo ministro precisa de liberdade para atuar e o Presidente precisará demonstrar constantemente o seu apoio às medidas tomadas pelo novo ministro e aos seus pedidos para recursos humanos e financeiros. Além de reprimir o desmatamento e as queimadas, também precisa parar as muitas ações das diversas partes do governo que levam a mais destruição na Amazônia.
Amazônia Real – O governo está com a operação das Forças Armadas na região. Os militares irão resolver algo mesmo?
Philip M. Fearnside – Não adianta apenas colocar o Exército para cuidar do problema ambiental. De fato, passando isto para ser “coordenado” pelo Exército, desmoraliza ainda mais o que resta do IBAMA. Também é ineficiente, pois segundo as pessoas do IBAMA, as ações de fiscalização não priorizam os lugares mais críticos, como era feito pela fiscalização conduzida pelo órgão ambiental.
O ministro Ricardo Salles (de roupa verde) com garimpeiros em Jacareacanga, no Pará
(Foto reprodução redes sociais)
Amazônia Real – O vice-presidente general Hamilton Mourão tem prometido conter os desmatamentos na Amazônia devido às críticas do mercado internacional, que promete boicotar as empresas do Brasil. Qual seria a solução para o país melhorar essa imagem extremamente arranhada por causa da não-política-ambiental de Bolsonaro?
Philip M. Fearnside – É bom que o governo esteja percebendo que há um problema. Quando o ministro Paulo Guedes foi pressionado por líderes mundiais em Davos, ele respondeu que o desmatamento no Brasil é causado pela “pobreza”. Não colou. O mundo sabe que o grosso da área desmatada na Amazônia vira pastagens e não roças de subsistência. As muitas ações do governo que estão induzindo o desmatamento precisam parar. Um exemplo é o “projeto de lei da grilagem” (ex MP-910) que está avançando no congresso, levando os grileiros acreditar que seus delitos serão anistiados e que podem conseguir títulos de terra com uma mera “auto-declaração”. A construção de estradas que dão acesso a vastas áreas de floresta, como o caso da BR-319, é outro exemplo. Outro é o plano para uma estrada até Suriname no projeto Barão do Rio Branco, passando quase exclusivamente por terras quilombolas, terras indígenas e unidades de conservação.
Uma mudança da orientação do governo tem que vir de cima. Quando o ministro Salles sugeriu aproveitar a “oportunidade” do coronavírus para “deixar a boiada passar”, ou seja, para desmontar os regulamentos ambientais, o presidente e o vice-presidente não chamaram a atenção de que isto seria inaceitável. Ao contrário, o discurso de Salles refletia o clima da reunião ministerial, que já foi assistido no Youtube por mais de um milhão de pessoas. Isto tem que mudar.