Falar sobre inclusão, respeito, direitos civis e responsabilidade do poder público
Por Claudia Silva Jacobs, compartilhado de Projeto Colabora
Ministra Carmem Lúcia durante a cerimônia de posse como Presidente do STF. Foto Divulgação
Excelentíssima ministra Carmem Lúcia,
Sabe quando você se sente dando murro em ponta de faca? Quando uma onda de pessimismo toma conta de você? Quando você acha que nunca vai alcançar seu objetivo? Foi assim que eu, e muitos outros pais, nos sentimos diante de uma declaração da senhora, à jornalista Renata Lo Prete, da “GloboNews”, por conta de sua posse na presidência do Supremo Tribunal Federal: “A sociedade pode esperar o empenho dos ministros. Primeiro: tenho certeza que os ministros não são AUTISTAS. São todos eles CIDADÃOS, que querem a jurisdição prestada e prestada com rapidez…”
Tenho certeza que não foi sua intenção (nunca é, certo, ministra?), mas falar dos portadores do espectro autista de forma negativa e estereotipada foi um cruel balde de gelo no coração de quem acorda e dorme, e dorme e acorda, lutando por dias melhores para os deficientes em geral. No momento em que se sucedem as cenas de superação e ensinamentos inestimáveis dos Jogos Paralímpicos, suas palavras ficam ainda mais pesadas.
Vamos lá, ministra. O que quer dizer “eles não são autistas”? O que quer dizer “são todos eles cidadãos”?
Resta constatar que para a presidente da mais alta instância do Judiciário, existem classes diferentes de pessoas e que os autistas (talvez os deficientes em geral), não estão contemplados no grupo dos cidadãos. E a garantia de sucesso do trabalho do Supremo, na sua opinião, é o fato de os ministros não serem autistas. Será mesmo, presidente Carmen Lúcia?
Na chamada da entrevista, a senhora enfatiza que “o Brasil está precisando conversar muito”. A senhora não faz ideia do quanto, ministra. Precisamos falar de inclusão, respeito, direitos civis – além da sempre negligenciada responsabilidade do poder público. Como mãe de um autista, integro um grupo de pais chamado Mundo Autismo. Passamos nossos dias, semanas, meses, anos tentando dividir experiências, buscando formas de melhorar a qualidade de vida dos nossos filhos, ajudando outros pais que se sentem perdidos.
Conversando sobre sua declaração, que entristeceu a todos, uma mãe fez um comentário muito pertinente. “O Estado não nos ajuda, e o Judiciário nos expõe”. É assim que nos sentimos, excelência. Abandonados e desrespeitados. Brigamos por serviços básicos, brigamos por uma vaga na escola, brigamos por medicamentos mais baratos, brigamos por ajuda médica, brigamos, brigamos. O que precisamos, ministra, é de apoio, é de um abraço, é de sentir que o poder público quer garantir qualidade de vida para toda a população. Vivemos à cata de socorro e recebemos mais e mais estereótipos, preconceitos, dificuldades.
Ajude-nos, ministra. Não nos prejudique. Precisamos de pessoas como a senhora do nosso lado. Não faça mais isso. Não nos deixe ainda mais pessimistas e apreensivos em relação ao futuro dos nossos filhos. Eu e milhares de pais e profissionais que lutamos todos os dias para melhorar a vida desses CIDADÃOS, não aguentamos mais conviver com o desprezo de parte da sociedade.
Encerro com uma certeza: a situação do Brasil – o Judiciário incluído – estaria melhor se alguns autistas estivessem no poder.