“Precisamos de um novo ‘O petróleo é nosso!’”

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Por Paulo Moreira Leite, Brasil 247, entrevista José Maria Ferreira Rangel, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros – 

Para quem acredita na lenda de que a Petrobras encontra-se à beira de um abismo sem salvação, o mês de junho de 2016 encerrou-se com uma notícia surpreendente.




A produção de petróleo e gás cravou um novo recorde mensal na história da empresa. Atingiu a marca de 2,90 milhões de barris equivalente por dia (boed), um avanço de 2% em relação à melhor marca anterior, de agosto de 2015, que chegou a a 2,88 milhões boed. Num dado que permite entender a cobiça internacional, que está por trás do irresponsável projeto de mudança de regras em curso no Congresso, a produção do Pré-Sal cresceu 8% em relação ao mês anterior, o que também representa um novo recorde mensal, ao alcançar o volume de 1,24 milhão boed.

“Numa empresa massacrada por denúncias, que têm a finalidade política óbvia de enfraquecer a todo o esforço realizado, os resultados operacionais são a melhor resposta”, disse ao 247 José Maria Ferreira Rangel, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros, eleito em 2014. Funcionário concursado, Zé Maria entrou na empresa em 1985, quando a meta fixada consistia em atingir a produção de 500 000 barris diários — menos de um terço daquilo que foi obtido em junho de 2016.

Por dez anos Zé Maria esteve à frente do Sindicato dos Petroleiros no Norte Fluminense, onde se encontra a maior área de produção de petróleo do país. Entre 2013 e 2014, foi membro do Conselho de Administração da empresa, eleito pelos trabalhadores. Hoje, faz parte do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico, criado por Lula e reconstruído por Dilma numa tentativa de articular o crescimento com base num diálogo permanente entre o governo.

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BRASIL 247– Dias atrás, uma Comissão Especial aprovou, por 22 votos a favor e apenas 5 contrários, o projeto que retira a obrigatoriedade da participação da Petrobras no Pré-Sal. Em breve, o projeto será enviado para ser votado em plenário. Não é estranho isso ter acontecido as vésperas da divulgação de resultados tão bons, que contrariam diretamente a teoria de que a Petrobras não tem condições de explorar o pré-Sal como tem feito até hoje?

ZÉ MARIA —  Só é surpreendente para quem acredita que o país está fazendo um debate político serio, bem explicado e bem argumentado, sobre a Petrobras. O simples placar da comissão mostra que não é assim. Num país que descobriu a maior província de petróleo do mundo, não há argumento que explique uma votação de 22 a 5. Não houve discussão ali. Este placar é a conta do golpe. Não há argumento nem número para fazer essas pessoas mudarem de opinião. Uma das causas fundamentais para o pedido de impeachment era justamente a mudança no regime da Petrobras, como mostram conversas do atual ministro José Serra com diplomatas norte-americanos, divulgadas pelo Wikileaks, e que nunca foram desmentidas. É isso que estamos vendo.

247 — Você vê algum ponto positivo nessa mudança?

ZÉ MARIA — Nenhum. Neste momento, o país encontra-se em posição confortável em relação a produção de petróleo. Tem reservas comprovadas para os próximos 14 anos, situação que não exige investimentos urgentes para ampliar a exploração. Além disso, vivemos uma época de baixa no mercado. Toda concessão, agora, será feita numa situação desfavorável a nós, que somos a parte vendedora, e favorável aos investidores estrangeiros, que são os compradores. Com o barril a U$ 50, você não faz leilão. Faz doação. Por essa razão, dois leilões recentes, no México e no Brasil, fracassaram.

247 — Como você define o momento atual da Petrobras?

ZÉ MARIA — Nós temos um declínio acima da média nos campos que chamamos de maduros.  Nessa situação,  o campo de produção tem em média um declínio de 10 % ao ano. Mas em 2015 os nossos campos maduros registraram uma queda de 15%. Por isso penso que seria a hora de investir na produção do Pré-sal , para repor com sobras essas perdas. Mas eu acho que o governo precisa investir através da Petrobras e não abrir para as multis. A Lei da Partilha é jovem e ainda não foi testada. Foi promulgada em 2010 , o Leilão de Libra foi em 2013 , os testes de longa duração serão em 2017 e a produção definitiva só em 2020. Num setor como o do petróleo, nada acontece da noite para dia. Quando os adversários da Petrobras falam que as multinacionais vão investir, estão dizendo uma falácia. Elas querem acumular mais reservas em seu portfólio, apenas isso. As reservas que temos hoje não incluem ainda o pré-Sal , que só será computado após os testes de longa duração .

247 — Um dos deputados favoráveis ao projeto declarou que a mudança pode fazer bem a Petrobras, que hoje enfrenta problemas de imagem…

ZÉ MARIA — Concordo que a Petrobras tem um problema de imagem distorcida, aos olhos da população. Só que o problema não está nas regras do pré-sal, que até hoje não foram debatidas com seriedade. O problema está na blindagem da mídia, assumidamente golpista, que sempre escondeu resultados operacionais, evitando que a população tomasse conhecimento dos avanços obtidos. A Petrobras deu saltos imensos ao longo de sua história, em particular na última década, mas a mídia publicava denúncia, só denuncia. A tal ponto que durante sua gestão (o presidente)  Sérgio Gabrielli foi obrigado a criar um blogue, Fatos e Dados, para noticiar informações que os jornais não publicavam. A preocupação era essa: informar corretamente, com dados corretos e confiáveis. O que aconteceu? Disseram que ele estava querendo interferir no trabalho dos jornalistas.

247 — Quais progressos que os jornais e tele jornais esconderam?

ZÉ MARIA —  A grande mídia sempre assumiu as teses que interessavam aos adversários da Petrobras. No início, dizia que o país não tinha petróleo. Depois, que não tinha recursos para sustentar a produção própria. Quando o pré-sal foi encontrado, dizia que não havia tecnologia para que fosse trazido à superfície a um preço competitivo. O que se tenta esconder, sempre, é um progresso inegável.

247 — É possível mostrar isso em números?

ZÉ MARIA — Não vamos falar das primeiras descobertas, nem de casos muito importantes, como a Bacia de Campos e o Campo de Garoupa. Também não vamos lembrar episódios como o afundamento da P-36, dos vazamentos na Baia de Guanabara e no Rio Iguaçu, no Paraná.  São sintomas claros de uma empresa que estava sendo sucateada, num processo destinado a facilitar sua privatização. Basta  comparar a empresa que foi recebida pelo governo Lula com aquela que chegou a nossos dias. Em 2002, a Petrobrás tinha 33 000 empregados. Em 2013, 85 000. Os investimentos em pesquisa ficavam em US$ 110 milhões. Chegaram a US$ 1,1 bilhão. O lucro líquido foi de R$ 8,1 bilhões em 2002.  Em 2013, de US$ 23,5 bilhões. Nós tínhamos 11 bilhões  de barris em reservas. Hoje, são 16,5 bilhões. Se você somar o pré-sal, chega a 64 bilhões. A industria naval tinha 2000 empregados em 2002. Chegou a 90 000 em 2013. É como se, a partir de 2003, tivessem sido criados 13 empregos por dia no setor, todos os dias.

A realidade é que o Brasil virou o jogo após um período trágico. O valor de mercado da da empresa era de R$ 54 bilhões. Em 2013, chegou a R$ 289,5 bilhões. Hoje, depois de um massacre que dura mais de dois anos, encontra-se em R$ 134 bilhões.

247 — Mas o endividamento é alto.

ZÉ MARIA — Primeiro, é bom reconhecer que, em 60 anos de existência, a empresa só recebeu grau de investimento durante o governo Lula. Não é qualquer coisa. Por isso, quando a Petrobras foi ao mercado,  recentemente, para buscar US$ 5 bi, voltou com US$ 6 bi e recebeu um sinal de que poderia levantar US$ 15 bi se quisesse.  Alguém investe tudo isso numa empresa quebrada? Temos uma dívida alta sim , mas fruto de vários investimentos que já estão dando retorno, permitindo a produção de um milhão de barris por dia apenas no pré-sal, sem falar na contratação de plataformas , navios , linhas  , mão de obra própria e terceira e outros investimentos. Outras empresas levaram pelo menos 15 anos para atingir essa marca. Nós  construímos uma refinaria depois de 30 anos , uma malha de gasodutos , reativamos o setor de engenharia.

247  — Qual a razão das dificuldades, então?

ZÉ MARIA — O que a grande mídia e os analistas — verdadeiros entreguistas, vamos falar a coisa com clareza — não dizem é que todas as operadoras estão passando por apuros em virtude da queda brutal que sofreu o preço do barril de petróleo despencando de U$ 140 para até U$ 28 , hoje se encontra em U$ 50.

247 — Qual a importância das denúncias de corrupção?

ZÉ MARIA — Todos os brasileiros, funcionários ou não da Petrobras, são vítimas da safadeza de quem roubou a empresa. Vários delatores já confirmaram a existência de esquemas que assolavam a Petrobras  desde 1997, pelo menos. A pauta da corrupção sempre foi nossa. Há muito tempo defendemos que se faça uma apuração rigorosa sobre todo fato denunciado, assegurando amplo direito de defesa aos acusados e obrigando os condenados a pagar pelo que fizeram. Este sempre foi o ponto de vista dos trabalhadores e funcionários.

247 — Como avaliar a Lava Jato, então?

ZÉ MARIA — Para a população, o que ela trouxe de prático até agora? Redução do PIB de 3,8% , desemprego na ordem de 1 milhão de pessoas. As grandes construtoras do país estão em frangalhos. Já estamos mandando obras para fora do país, como os módulos de produção das plataformas da Cessão Onerosa. O chamado  maior escândalo de corrupção no país não recuperou quase nada para os cofres públicos. Os delatores estão em suas mansões confortáveis com uma tornozeleira na canela , gastando grande parte do que roubaram.

247 — O que está errado?

ZÉ MARIA —  Queremos a punição dos CPFs e não dos CNPJs das empresas, porque isso prejudica  a vida dos trabalhadores e suas famílias, que não tem a menor responsabilidade pelos abusos. Na grande crise de 2008, nos Estados Unidos, os executivos foram punidos. Não as empresas.

Basta ouvir os discursos no Congresso para compreender que, no Brasil de hoje, a corrupção está sendo usada como cortina de fumaça para entregar o Pré Sal, desmontar a Petrobrás e acelerar as privatizações em todos os níveis, passando a  imagem de que tudo que é público é corrupto. A verdade é outra. A Volks acaba de ser punida em U$ 12 bi por fraude na emissão de poluentes. A Vale foi multada por corrupção nas barragens de Mariana. Todas as empresas envolvidas na Lava Jato são privadas e operam há a anos no Brasil e no exterior. A corrupção faz parte do regime capitalista e cabe a nós encontrarmos mecanismos para acabar com ela mas sem sacrificar o padrão de vida de quem precisa do trabalho para viver.

247 — Num discurso neste fim de semana, você disse que era preciso ter claro que a luta contra o decreto 4567/16, que muda o pré-sal, não poderá ser vitoriosa caso venha a permanecer como um combate apenas dos petroleiros. Poderia desenvolver melhor essa ideia?

ZÉ MARIA — – Temos que reviver a Campanha “O Petróleo é nosso”. Aquela campanha foi vitoriosa, transformando-se numa das grandes mobilizações populares de nossa historia, porque mostrou aos brasileiros e às brasileiras  que o petróleo é não é uma riqueza que vai beneficiar um grupo de trabalhadores, um governo, ou alguns empresários, mas pode levar o progresso para um país inteiro. Permite melhorias na saúde e na educação. Gera emprego e renda em setores que aparentemente nada tem a ver com petróleo. Gera conhecimento. Mas é evidente que os benefícios que o Pré-Sal é capaz de gerar dependem, em sua maior parte, do modelo de exploração. Nosso regime é de partilha, que é o mais conveniente em áreas nas quais a existência do petróleo já é conhecida e o risco exploratório é baixo, como acontece no pré-sal. Por essa razão o óleo é propriedade do Estado e vence o leilão quem der o maior retorno ao Estado. Em nosso caso, a Petrobras é operadora única e tem no mínimo 30% de todos os campos.

247 — Por que isso?

ZÉ MARIA —  Ser operadora única , proporciona ao Estado ditar o ritmo de produção ao seu interesse, evitar exploração predatória , desenvolver a indústria nacional gerando empregos no país, manter sempre atualizada a nossa tecnologia de desenvolvimento dos campos o que proporciona a redução dos custos de extração e consequentemente dando para o Estado mais retorno financeiro e por fim qual empresa de Petróleo não quer ter 30% no mínimo de cada campo no Pré Sal? Alguém pode achar isso ruim, prejudicial?

247 — Como você avalia o início da gestão de Pedro Parente na presidência da empresa?

ZÉ MARIA — As primeiras falas do Pedro Parente já dizem a que ele veio. Primeiro disse que a Petrobrás não precisa de aporte do Governo. É uma visão que colide com o que o Grupo de Trabalho criado fruto da nossa greve de 2015 detectou: sem ajuda do Governo, acionista majoritário, toda a solução para os problemas da Petrobras será bem mais difícil, passando necessariamente pela venda de ativos (segunda afirmação dele) e a mudança na Lei da Partilha. Em relação as vendas de ativos, cabe ressaltar que devido a retração dos investimentos no setor, as operadoras estão colocando cerca de U$ 1 trilhão no mercado. Por isso, quem vender petróleo vai receber a preço de banana em final de feira. No caso da Petrobras o que o senhor Pedro Parente quer é quebrar a empresa integrada, do poço ao poste, que todo mundo já comprovou que torna a Cia mais rentável. Na mais infeliz de todas as declarações, ele afirma que a Lei da Partilha deve ser modificada. Segundo estudos do Instituto de Óleo e Gás da UERJ, o Pré-Sal tem reservas de 176 bilhões de barris de Petróleo. Vamos supor que a Petrobras entre com apenas os 30%, que a Lei lhe garante, em todos os blocos. Neste caso, estamos falando em reservas de 53 bilhões de barris. Qual empresa abre mão disso? Só a Petrobrás de Parente. Notem que ainda sobra para a iniciativa privada , 70% , ou 123 bilhões de barris. Parece que isso é pouco, não serve. Querem tudo. O preço é acabar com a Petrobrás, com nosso conhecimento, com nossa indústria, para que o Brasil volte a ser dependente como antes.

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