Por A.C.S
Não sou muito de relatar os momentos da minha vida, mas resolvi contar um episódio ocorrido na última quarta-feira, 17/01/2018.
Fui logo cedo com meu marido e minha filha de 11 anos encontrar uma pessoa muito querida e de grande importância em nossa história, que estava hospedado no Hotel Othon Palace, na Av. Atlântica, Rio de Janeiro.
Chegamos às 9h nas proximidades do hotel. Entrei com minha filha enquanto meu marido estacionava o carro. Nossa intenção era não perder o horário combinado, e fomos rapidamente pegar um dos elevadores disponíveis. Ao apertar o botão para o andar do apartamento, fomos interrompidas por um homem que aparentava ser funcionário do hotel, embora estivesse ainda sem gravata, diferentemente dos demais. Ele perguntou se éramos hóspedes, e respondi que não, que apenas íamos visitar um amigo que estava hospedado ali. Ele nos disse que precisaríamos nos apresentar à recepção para fazer um registro e que seria avisado ao apartamento sobre a nossa chegada.
Embora tivesse achado um pouco estranho, fui para a fila não muito curta para me cadastrar enquanto minha filha foi para a entrada esperar meu marido. Quando chegou, ele disse ao segurança na entrada que tinha um horário agendado com um hóspede e precisava subir. Disse também que não seria necessário nos cadastrar porque alguém que estava com o hóspede até poderia descer para nos encontrar.
Como o segurança não autorizou a nossa entrada, meu marido ligou e dois de nossos amigos hospedados desceram para nos encontrar na recepção. Quando nos convidaram para subir, meu marido foi na frente enquanto nós duas seguimos logo atrás. O segurança e outros não quiseram deixar que eu e minha filha subíssemos sem registro na recepção!
Meu marido, muito indignado, questionou qual a razão para não nos deixarem subir se os hóspedes desceram para nos receber. Disse também que aquela seria uma atitude racista! Qual o motivo para não me deixar subir com minha filha sem ser hóspede sendo que ele podia? Por que era branco?
Houve uma pequena confusão na entrada, mas meus amigos hóspedes subiram conosco até o apartamento. Lá encontramos o filho de um deles, branco, que havia chegado ao hotel uns 10 minutos antes e subiu sem quaisquer constrangimentos.
Ao retornar da visita ao nosso amigo e acompanhados de um hóspede, retornamos à recepção para as despedidas, e o segurança negro estava posicionado na porta, junto ao homem branco que tinha nos interrompido no elevador, que se apresentou como gerente de segurança , e uma outra funcionária.
Ficaram o tempo todo nos olhando, principalmente o segurança que lançava olhares severos para o meu marido. Que foi depois abordado pelo gerente pedindo que se dirigisse ao escritório para registro de uma ocorrência, porque o segurança negro havia dito ter sido vítima de preconceito racial pelo meu marido! Como? Não seria eu a apresentar uma queixa de racismo?
O máximo que meu marido falou ao segurança negro quando ele sozinho nos impediu de entrar foi de que seria uma vergonha ele NEGRO impedir que uma mulher NEGRA com sua filha pudessem entrar tranquilamente no hotel como todas as outras pessoas.
Os questionamentos foram sobre o porquê de apenas nós termos que ir para a fila fazer registro. Por que quando os hóspedes – nossos amigos – foram nos encontrar na recepção não pudemos subir tranquilamente com eles? Por que outros hóspedes não estavam sendo parados para solicitação de identificação? Qual seria o critério? A cor da pele? O gerente branco alegou que impediu a minha entrada porque eu estava com uma criança, uma menor de idade! Em nenhum momento ele havia perguntado a idade da minha filha, e, afinal, ela estava comigo e o pai também!
Faço algumas observações:
Certamente se eu fosse uma mulher branca com uma criança branca a impossibilidade para a subida não seria apresentada.
O impedimento foi feito curiosamente por um gerente BRANCO, e a ação de impossibilitar a subida foi feita pelo segurança NEGRO. O branco voltou a aparecer na nossa saída. Por precaução, para ficar protegido de uma acusação de racismo?
Quando esse segurança NEGRO se coloca como vítima de racismo, ele quis inverter a acusação que ele e o gerente poderiam receber? Tenho a mais absoluta certeza e sou testemunha direta de que meu marido não fez em nenhum momento qualquer ofensa ao segurança, muito menos de cunho preconceituoso. A sua indignação era com o tratamento que eu e nossa filha estávamos recebendo.
O que se nota é que o corpo funcional do hotel reproduz o preconceito que o Brasil, último país a abolir a escravidão, tem desde sempre com a sua população de origem predominantemente africana. O preconceito está introduzido nos costumes e nas práticas de quem trabalha e serve aos proprietários dos grandes negócios e fica naturalizado para o empregado fazer a distinção de quem pode ou não entrar nesses círculos pelo fenótipo: cor da pele!
Não observamos no período em que estivemos no salão de entrada nenhuma outra pessoa sendo abordada e encaminhada para se identificar na recepção. E o hotel estava bem movimentado.
Se estão realmente preocupados com a segurança dos hóspedes, que adotassem o uso de cartão magnético, algo feito comumente por muitos hotéis.
Eu poderia ter comprado essa briga e aceitado registrar uma ocorrência por ter sido vítima de uma postura racista do hotel. Sinceramente, não quis envolver a minha filha naquele momento num episódio como esse. Além de não querer incomodar e envolver os nossos amigos hospedados provisoriamente ali. Não tenho dúvidas do quanto eles se disporiam a nos auxiliar.
Para ser sincera, eu não quis estragar mais um dia que seria de um reencontro marcante na nossa história Mas pensei que essa agenda de combate ao racismo e preconceito já é uma pauta bastante importante e intensa na sua agenda e atuação nesses últimos anos. É uma luta de todos os dias e de todos nós!
PS. A autora resolveu não publicar seu nome.