Por Felipe Mascari , compartilhado de RBA –
Advogada de médicos diz que escolha por “tratamento precoce” foi opção para reduzir custos do hospital
São Paulo – A Prevent Senior obrigou profissionais a receitar medicamentos contra covid-19 mesmo sem eficácia e com riscos colaterais. Em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (18), a advogada Bruna Morato, que representa médicos que denunciaram a operadora, afirmou que a Prevent não respeitou a autonomia médica.
Bruna Morato chegou à CPI na condição de representante de seus clientes, que preferem o anonimato, por medo tanto de ameaças da operadora de saúde quanto de outras formas de retalaição. A advogada afirmou que a Prevent tirou a autonomia médica, ocultou e manipulou dados e a faltou com a transparência com os pacientes. De acordo com Bruna Morato, hidroxicloroquina era prescrita sem eletrocardiograma, havia dispersão de ivermectina e o médico não tinha autonomia para retirar nenhum item do “kit covid”. O caso era “tão lamentável”, como ela relata, que chegavam a ser listados oito itens no kit.
Pacientes assinaram termo genérico
A Prevent Senior é investigada por fraudar prontuários de pacientes que morreram de covid-19 e receberam o chamado “kit covid”, com medicamentos sem eficácia. De acordo com a denúncia, pacientes foram cobaias de um estudo sem autorização para testar a eficiência dos medicamentos.
“Os pacientes davam o ok sobre o tratamento, mas não sabiam que seriam cobaias. Eles só sabiam que receberiam algum medicamento, mas o hospital não detalhava os riscos. Quando os pacientes retiravam os medicamentos ainda no hospital, eles assinavam um documento sem saber que era um termo de consentimento, pois era um termo era genérico”, afirmou a advogada.
De acordo com Bruna, a orientação na Prevent Senior para a prescrição do “kit covid” vinha da direção executiva. “É um protocolo institucional e os médicos não têm autonomia”, explicou. Ela acrescentou ainda que um dos diretores da Prevent, Felipe Calvaca, disse aos médicos que não era para informar os pacientes sobre o tratamento realizado. “A Prevent Senior tem hospitais próprios e por isso dava as orientações. É algo verticalizado.”
Prontuários fraudados
Ainda durante as perguntas do relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Bruna negou que os médicos da Prevent Senior tenham alterado uma tabela com número de mortes por Covid-19, em estudo realizado em hospital da rede – acusação feita pelo diretor Pedro Batista, na semana passada.
“Ele prestou uma informação equivocada sobre os nomes divulgados. Eu disponibilizei a tabela com o nome dos participantes e verifiquei os nove óbitos. Os nove mortos continuam falecidos. A CPI precisa investigar isso porque são pessoas que constam do Cadastro Nacional de Óbitos, mas ele disse que a paciente ainda está viva. Isso é uma situação atípica”, respondeu a advogada.
A representante dos médicos respondeu também sobre o caso específico do médico Anthony Wong, defensor do tratamento precoce, que morreu de covid-19, em janeiro, no hospital da Prevent Senior. Ela disse que teve acesso ao prontuário enviado pela própria operadora de saúde ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
Bruna conta que, no prontuário, consta que Wong fez uso de hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e colchicina. “Ele ficou internado numa unidade para pacientes cardiológicos, mas com covid-19. Ou seja, ele estava com pacientes com outras comorbidades. Ele passou por tratamentos com medicamentos do kit covid”, apontou.
Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, também recebeu o “kit covid”, mas antes da internação. A advogada denuncia que houveram informações escondidas no prontuário. “Ela recebeu os medicamentos (sem eficácia) previamente, mas o prontuário dela não autoriza o tratamento durante a internação. Ela morreu de falência múltiplas dos órgãos e o prontuário aponta doenças decorrentes de covid-19, mas a doença foi omitida no documento.”
Na semana passada, Pedro Batista confirmou que a Prevet Senior orientava, após 14 dias do início dos sintomas, para pacientes de enfermaria, ou 21 para pacientes com passagem em UTI, que a CID (sigla de classificação internacional de doença) deveria ser modificada para qualquer outra classificação. No depoimento de hoje, Bruna Morato confirmou que houve inúmeros casos.
“A mudança era feita para ter uma falsa sensação de sucesso no tratamento preventivo. Wong faleceu por decorrência da covid-19, igualmente a Regina Hang. Eu não tenho uma estimativa de casos em que isso ocorreu, mas era uma prática recorrente. Segundo os médicos, os números da Prevent Senior eram fraudados”, afirmou.
‘Solução barata da Prevent Senior’
A advogada Bruna Morato também foi questionada sobre a insistência da Prevent Senior em aplicar medicamentos sem eficácia. Ela afirmou que a operadora não tinha a quantidade de leitos necessários para atender os pacientes infectados pelo novo coronavírus e adotou o chamado tratamento precoce para contar essa deficiência.
De acordo com ela, a operadora queria passar às pessoas uma impressão de que houvesse um tratamento contra covid-19. “Eles tinham a intenção de dizer às pessoas que havia uma forma de tratamento e que se salvariam da doença”, lamentou.
Bruna Moratto disse ainda que mensagens encaminhas à CPI mostram que uma das causas é que a Prevent não tinha leitos disponíveis de UTI e recomendava a medicação para os pacientes tomarem em casa. “A descrição dos médicos diz que é mais barato você disponibilizar os medicamentos aos pacientes do que fazer a internação. Era uma estratégia para redução de custos.”
Mais cedo, a advogada disse que havia uma relação entre o Ministério da Economia e o chamado “gabinete paralelo” que influenciaria na condução das políticas voltadas à pandemia. Ela relatou que Pedro Batista aproximou de médicos que assessoravam o governo, e “eles estavam alinhados com os interesses do Ministério da Economia”. Os médicos, segundo Morato, eram: Anthony Wong, Nise Yamagushi e Paolo Zanotto.
“Eles explicaram que a economia não poderia parar, sem o lockdown, e as pessoas precisavam sair às ruas. Eles precisavam conceder esperança às pessoas e ela tinha nome: hidroxocloroquina. A Prevent Senior colaborou com os dados junto aos médicos que assessoravam o governo, buscando mostrar que a prescrição era eficaz”, acrescentou a advogada.