A produção científica brasileira está retrocedendo?

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Publicado em Justificando – 

A produção científica brasileira continua a ser uma grande desconhecida da sociedade e, sobretudo, da maioria dos nossos parlamentares. Até mesmo a mídia parece desconhecê-la ao promover mais os cientistas estrangeiros e chamar os cientistas brasileiros de simples  pesquisadores.

Para a maioria da sociedade, parlamentares e mídia, nossas universidades públicas são grandes e problemáticos “escolões insaciáveis” quando se trata de verbas orçamentárias. Entre todos parece ser ainda hegemônico o pensamento liberal que alimenta a ideia mítica de uma universidade que, nos dizeres de Ourique (2014[1]), somente se preocupa com a produção desinteressada de saberes.

relatório da Clarivate Analytics (2018), encaminhado recentemente à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), em boa hora joga um foco de luz sobre a nossa produção científica situada em um contexto global no período de 2011 e 2016. Ele contradiz todos aqueles que acreditam que as nossas universidades públicas estão distanciadas da prestação de serviços relevantes ao estado-nação, que os cientistas brasileiros são incapazes de contribuir para a construção de um estado nacional desenvolvido e autossustentável.




Este relatório basicamente nos informa o estado atual da produção científica brasileira em praticamente todas as áreas de conhecimento[2], assim como as mudanças e impactos que vem sofrendo em relação às atuais políticas públicas de fomento e financiamento. Para a sua produção foram consultadas mais de 18 mil revistas científicas de impacto em todo o mundo e 180 mil conferências, além de livros de ciências em geral, medicina, artes, humanidades e ciências sociais.

As principais conclusões que este relatório apresenta são impressionantes e capazes de demolir o famoso “complexo de vira-latas” que torna muitos brasileiros menores diante do mundo.

Somos o 13º maior produtor mundial de conhecimentos científicos e nos situamos acima de produtores importantes como a Holanda, Rússia, Suíça, Turquia, Taiwan, Irã e Suécia.

Alguns textos, desta produção em crescimento constante, são altamente citados nos principais centros mundiais de pesquisa onde, inclusive, adquirem mais impacto. Grande parte de tais textos tem a colaboração de coautores integrantes de uma rede acadêmica que se estende para além das fronteiras da América Latina.

Por sua vez, os textos que tratam de meio ambiente, ecologia, psiquiatria, psicologia e matemática se aproximam da média de publicação dos grandes centros de pesquisa e apresentam grande potencial de tornar o Brasil em referência mundial.

A Universidade de São Paulo (USP) é a maior produtora de pesquisa com mais de 20% da produção nacional.

As universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e de Campinas (UNICAMP), apesar de todos os problemas que enfrentam, têm produção científica acima dos níveis médios de outros países, com papers mais citados no mundo. A contínua colaboração entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Petrobrás permitem que esta universidade e o Estado do Rio de Janeiro tenham as mais elevadas taxas de colaboração com a indústria.

Os dez estados com a maior produção de pesquisa e publicação de textos científicos entre 2011 e 2016 são, pela ordem, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Pernambuco, Distrito Federal, Bahia e Ceará. A Universidade Federal do Acre, apesar de uma produção pequena comparativamente, possui enorme impacto de citação quando os artigos tratam de ecologia e floresta amazônica; os textos produzidos na UFAC são referências na maioria dos grandes centros de investigação científica.

As três grandes universidades de São Paulo (USP, UNIFESP e UNICAMP) têm um foco particularmente alto em pesquisa médica. No Paraná, as universidades públicas estão fortemente focadas em temas relacionados à agricultura e, no Rio de Janeiro, em Ciências Físicas e Matemáticas.

A produção científica do Brasil se destaca em diversas áreas e subáreas e se apresenta como resposta aos investimentos adequados e suficientes.

São vários os casos, a começar pelas pesquisas em ciências agrícolas, tecnologia industrial e saúde. Os objetos mais investigados estão ligados à clínica médica, ciência dos vegetais e animais e ciências agrícolas, muito possivelmente por causa das induções advindas das políticas nacionais; paradoxalmente os textos que resultam das investigações em ciências agrícolas, tecnologia industrial e saúde têm baixo impacto internacional.

As publicações resultantes de investigações em física e ciência espacial têm o maior impacto mundial e a coautoria de cientistas estrangeiros. O envolvimento dos cientistas brasileiros em projetos mundiais importantes, tais como o CERN (EuropeanOrganization for Nuclear Research) e o SDSS (Sloan Digital Sky Survey), vem se traduzindo crescentemente em importantes publicações citadas por diversos autores de um grande número de países.

Outras áreas de investigação demonstram atividade constante e de excelência

Os textos com investigações voltadas ao meio ambiente, ecologia, psiquiatria e psicologia já são referenciados pelos cientistas dos maiores e melhores centros de investigação. A publicação de textos de matemática por brasileiros já permite situá-los entre os mais importantes e indispensáveis do mundo, nomeadamente a partir de quando um jovem matemático brasileiro foi contemplado em 2014 com a Medalha Fields, equivalente ao Prêmio Nobel.

A despeito de todo o potencial das universidades públicas na produção de conhecimentos científicos, tecnológicos e de inovação, os investimentos ainda são incipientes, modestos e já apresentam forte tendência de queda em consequência das medidas de austeridade do governo Michel Temer.

Segundo informações do Senado Federal, os investimentos do Brasil em Pesquisa e Desenvolvimento, comparados com nações da OCDE, América Latina e Brics, somente são superiores aos do México, Argentina, Chile, África do Sul e Rússia; as próprias empresas privadas investem apenas 0,5 do PIB em pesquisas próprias ou em colaboração, muito abaixo das empresas coreanas e chinesas.

Em 2013, os dispêndios federais de CT&I alcançaram o montante de 32,9 bilhões de reais, que segundo o governo, superou o de 2012 em 24,6%. Para 2018, o valor aprovado para CT&I no orçamento é menor que o de 2017 em 19%. A Sociedade Brasileira de Física (SBF) informa que, além destes cortes, ocorreram outros em agências de fomento, universidades públicas e instituições de pesquisa de outros ministérios.

A CAPES, responsável por grande parte da pesquisa brasileira, terá uma diminuição de 20% em relação a 2017. Nas universidades, o patamar de investimento foi reduzido em 20% em relação a 2014.

Estamos de volta ao passado!

A estreiteza de visão deste Governo Federal e do Poder Legislativo como um todo, impõe recuos fortes à produção científica brasileira e às prioridades de superação da dependência externa. De pronto, como Santos [3] há muito já afirmou, este tipo de visão é que “restringe a nossa capacidade intelectual, científica e técnica de sustentar um projeto alternativo”.

Muito embora, grande quantidade dos cientistas nunca abandonem um projeto nacional de independência, a estreiteza e a disposição à subserviência de certos segmentos da burguesia nacional, eles, com grande frequência são obstados em seus esforços pelas forças mais atrasadas da sociedade brasileira. Forças que estão longe de abandonar o adágio segundo o qual “o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil”.

O caráter entreguista, comprador, concentrador e excludente que as caracterizam nos cimenta num terreno de eterna submissão e lhes dá ânimo para ceifar as iniciativas em favor de um “estado nacional forte e um desenvolvimento econômico de base nacional significativa” (Dos Santos, 1998, p. 29).

A era Temer, inaugurada em 31 de agosto de 2016 com a derrubada de uma presidente eleita por mais de 54 milhões de votos, com todo o seu conteúdo classista, claramente está a serviço do grande capital financeiro e nos impõe um ajuste fiscal impopular que nos paralisa e retém os recursos nacionais para saciar a fome dos credores da dívida nacional.

Não há dinheiro para mais nada.

Zacarias Gama é Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro do corpo docente permanente do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH), avaliado com nota 6 pela CAPES.


[1] OURIQUES, N. O colapso do figurino francês: crítica às ciências sociais no Brasil. Florianópolis: Insular, 2014.

[2] A árvore do conhecimento, conforme o CNPq, é constituída pelas seguintes áreas de estudo: Ciências Agrárias, Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Exatas e da Terra, Engenharias, Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes. O relatório não obedece à mesma classificação, preferindo a nomenclatura dada pela ESI Category (Thomson Reuters): Clínica Médica, Ciência das Plantas e Animais, Ciências agrícolas, Química, Física, Engenharia, Ciências Sociais (Geral), Biologia e Bioquímica, Meio Ambiente/Ecologia, Ciência dos Materiais, Farmacologia e Toxicologia, Neurociência e Comportamento, Biologia Molecular e Genética, Matemática, Imunologia, Microbiologia, Geociência, Psiquiatria/Psicologia, Ciência da Computação, Ciência Espacial, Ciências Econômicas e Negócios.

[3] DOS SANTOS, T. A Teoria da Dependência: balanço e perspectivas. Florianópolis: Insular, 1998.

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