Produtores gaúchos utilizam agricultura regenerativa para diminuir custos

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Plano Safra 2023/24 e projeto de lei estadual preveem incentivos para produção sustentável que reduza os impactos ambientais

Por Micael Olegário, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Produtores rurais em Chiapetta visitam lavoura com plantas de cobertura: agricultura regenerativa reduz custos e impactos ambientais (Foto: Dionathan Rigo)

Ao anunciar o Plano Safra 2023/24, o governo federal sinalizou com incentivos para práticas sustentáveis na agricultura: taxas menores para produtores recuperarem áreas degradadas e preservar a biodiversidade no meio rural. O plano prevê R$364,2 bilhões para médios e grandes produtores. Já a agricultura familiar deve receber R$70 bilhões para financiamentos.

No Rio Grande do Sul, o Projeto de Lei 104/2023 aponta para a mesma direção: criar uma política de bioinsumos com base na agricultura regenerativa. A ideia é maximizar os recursos das propriedades pelos próprios agricultores, uma prática que, além de diminuir os custos de produção, colabora com a produção de alimentos mais saudáveis e com menos agrotóxicos. Através da iniciativa, o estado vai oferecer novas linhas de créditos para que agricultores invistam em biofábricas de produção de insumos naturais. O projeto também estabelece a criação de uma rede de apoio entre instituições de pesquisa, ensino, extensão rural e organizações de produtores rurais.

Este exemplo regional e as sinalizações do governo Federal com o Plano Safra demonstram preocupação com a transição do modo de produção para um sistema sustentável. De acordo com o professor Vinícius Dalbianco, do curso de Agronomia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), a agricultura regenerativa, conceito chave no projeto apresentado na Assembleia Legislativa gaúcha, é um sistema de produção baseado em processos naturais sustentáveis de recuperação dos biomas e solos.

Esse conjunto de técnicas ecológicas gera efeitos positivos em termos de preservação ambiental e contribui para a redução de CO² na atmosfera.“Tem dois efeitos: a redução da emissão, por conta dos solos cobertos, e da degradação dos biomas pelo avanço das fronteiras agrícolas, porque uma lógica da agricultura regenerativa é não depender da exploração dos biomas, de áreas novas, para manter ou aumentar a produção”, explica Vinicius Dalbianco.

Adubos biológicos da biofábrica da Fazenda Chiapetta para serem utilizados na lavoura: transição para agricultura regenerativa (Foto: Dionathan Rigo)
Adubos biológicos da biofábrica da Fazenda Chiapetta para serem utilizados na lavoura: transição para agricultura regenerativa (Foto: Dionathan Rigo)

Compostagem reduz uso de fungicidas

Técnico da Emater/RS no município de Chiapetta, no noroeste do estado, Dionathan Rigo, trabalha com produtores locais para difundir práticas da agricultura regenerativa e de uso de insumos biológicos naturais nas lavouras da região e explica que, por conta de dificuldades no plantio do milho e das características dos ecossistemas locais, os agricultores começaram a utilizar cobertura vegetal entre as safras. O objetivo, segundo ele, foi “aumentar a biodiversidade de ‘palhada e microbiota’ do solo, incorporar uma rotação de culturas melhor e pensar em outras plantas de cobertura”. Como exemplos, ele cita capim, gramíneas, nabo, entre outras culturas perenes – plantas que não morrem após a primeira colheita.

Os agricultores ficaram mais dependentes das indústrias de agroquímicos; então essa prática da agricultura regenerativa permite aumentar a autonomia perante o sistema econômico, colaborando para uma agricultura mais verde”

Vinicius Dalbianco

Professor de Agronomia da Unipampa

Ao comentar sobre a agricultura regenerativa em Chiapetta, Dionathan Rigo destaca a busca pela conscientização sobre a importância da transição ecológica junto aos produtores. Um trabalho que teve início com agricultores familiares ligados à produção de hortaliças. “Sentimos essa necessidade de trabalhar com os lindeiros em torno do das unidades de produção de hortaliças orgânicas. E aí, de nada adiantava fazermos um esforço naquele ‘loco’ e ter no entorno as derivas de veneno chegando”, relata o técnico da Emater.

Aos poucos, o especialista da Emater introduziu conceitos de agroecologia e agricultura regenerativa entre os produtores. Rigo menciona as técnicas trabalhadas na Fazenda Chiapetta, local com quatro mil hectares, sendo três mil cultivados todos os anos. A produção lá é prova de como a agricultura regenerativa pode ser aplicada em grandes extensões de terra. Segundo o técnico, as inovações com compostagem utilizadas na Fazenda Chiapetta geraram uma redução de 80% a 90% no uso de fungicidas no plantio.

Uma das principais inovações é o “chá de composto ou composti”, que é produzido de forma natural com recursos do próprio estabelecimento rural. Essa compostagem é utilizada para fertilizar o solo e serve principalmente para grandes áreas, onde a adubagem somente com resíduos orgânicos seria inviável.

Produtores rurais visitam galpão onde é produzido chá de composto: alternativa aos fungicidas (Foto: Arquivo Pessoal)
Produtores rurais visitam galpão onde é produzido chá de composto: alternativa aos fungicidas (Foto: Arquivo Pessoal)

O chá de composto é feito com resíduos sólidos, como pedaços pequenos de madeira, restos de serragem e serapilheira, terra do mato e pó de rocha (uma espécie de resíduo mineral). “Dessa compostagem pega uma fração e inunda e agita em uma caixa d’água grande com 5 a 10 mil litros. Esse extrato é filtrado e substitui toda a água utilizada no sistema de pulverização”, explica Dionathan Rigo.

Outra estratégia regenerativa praticada pelos produtores da região é o uso de insumos biológicos para combater lagartas e outras pragas, reduzindo a dependência de agrotóxicos.

Segundo Dalbianco, com o solo das lavouras recuperado, a produtividade aumenta e os custos de produção são reduzidos de forma significativa, pois não é necessário gastar tanto com fertilizantes e adubos químicos. O professor aponta que o uso da cobertura vegetal também diminui o processo de erosão e ajuda na retenção da umidade. “Os agricultores ficaram mais dependentes das indústrias de agroquímicos; então essa prática da agricultura regenerativa permite aumentar a autonomia perante o sistema econômico, colaborando para uma agricultura mais verde”, destaca o especialista.

O agricultor Maurício Piccin e sua lavoura de nabo forrageiro: aposta na agricultura regenerativa (Foto: Arquivo Pessoal)
O agricultor Maurício Piccin e sua lavoura de nabo forrageiro: aposta na agricultura regenerativa (Foto: Arquivo Pessoal)

Rede alimentar do solo

Reduzir os custos de produção e a dependência externa de produtos químicos foi o que motivou o agricultor Maurício Piccin a adotar as práticas da agricultura regenerativa na Fazenda Santo Antônio. Médico veterinário de formação, ele assumiu a propriedade da família em General Câmara, também no interior gaúcho, há dez anos: em 2019, começou a fazer a transição no sistema de produção. “Temos uma área de 750 hectares entre terras próprias e arrendadas e cultivamos soja, milho, trigo, canola, aveia e outras plantas de cobertura”, descreve Piccin.

Temos todos os indicadores que nos levam a crer que estamos construindo um ambiente mais resiliente, que vai resistir mais aos extremos climáticos e, por consequência, aumentar a produtividade

Maurício Piccin

Produtor rural e veterinário

Na Fazenda Santo Antônio, Maurício Piccin aponta uma das técnicas de agricultura regenerativa usada para a diversidade microbiológica do solo e tornar as plantas mais saudáveis. Trata-se da multiplicação dos microrganismos em comunidade, método conhecido como “Soil Food Web” (teia alimentar do solo, em tradução livre).

“Através desse método, inoculamos no solo uma diversidade de microrganismos que compõem a chamada rede alimentar do solo buscando recuperar de forma rápida a diversidade microbiana do solo”. Segundo o agricultor, o uso de técnicas alternativas e biológicas para fertilizar o uso, transformou o solo da fazenda e permitiu reduzir em até 80% o uso de agrotóxicos, com o aparecimento de inimigos naturais para combater as pragas da lavoura.

Sobre o impacto financeiro, o produtor acredita que as estratégias regenerativas adotadas devem render boas colheitas nos próximos anos. “Do ponto de vista da produtividade ainda é difícil de dizer, pois nesses quatro anos que iniciamos de forma mais intensa a agricultura regenerativa, passamos por três anos de seca extrema. Contudo, temos todos os indicadores que nos levam a crer que estamos construindo um ambiente mais resiliente, que vai resistir mais aos extremos climáticos e, por consequência, aumentar a produtividade”, afirma Piccin.

Maurício Piccin também é um dos colaboradores do PL 104/2023 para instituir uma Política Estadual de Fomento à Agricultura Regenerativa, Biológica e Sustentável, no Rio Grande do Sul. Ele acredita que o projeto pode contribuir para divulgar formas sustentáveis de produção para pequenos, médios e grandes produtores. “É urgente uma maior autonomia dos agricultores, uma vez que poderão produzir seus próprios insumos dentro das propriedades. Além disso, está conectado com a tendência global de uma agricultura que incorpore carbono no solo contribuindo com a diminuição do efeito estufa”, destaca o agricultor sobre o projeto de lei.

O professor Dalbianco comenta que as práticas conservacionistas da agricultura regenerativa favorecem a estabilização da biodiversidade e o controle biológico dos ecossistemas, quando o próprio solo adquire maior resistência e fertilidade. Diminuir o uso de produtos químicos é benéfico também, porque essas substâncias, “têm uma carga muito grande de ácidos e sais que modificam a fauna e flora do solo. Então, uma redução desse tipo de adubação reduz o gasto econômico e colabora com a regeneração do solo”, acrescenta ele.

Plantação de feijão da Fazenda Santo Antônio: microrganismos da rede alimentar do solo para recuperar de forma rápida a terra para cultivo (Foto: Arquivo Pessoal)
Plantação de feijão da Fazenda Santo Antônio: microrganismos da rede alimentar do solo para recuperar de forma rápida a terra para cultivo (Foto: Arquivo Pessoal)

Agricultura regenerativa e retenção de carbono

O professor Vinícius Dalbianco destaca que é por meio da cobertura vegetal durante todo o ano, que a agricultura regenerativa contribui para a redução do carbono na atmosfera. Esse processo funciona ao “manter todos os solos cobertos e ocupados, com espécies vegetais que ao invés de emitir CO², incorporam ele no solo, levando este CO² para os sistemas de reprodução dos microrganismos”. Além disso, o sistema regenerativo colabora com a recuperação das características do solo em termos de vida microbiana, nutrientes e estrutura anteriores ao seu uso pela agricultura, a exemplo do que acontece no reflorestamento.

Outro princípio do sistema regenerativo está ligado a uma mudança de relação com o solo e passa pela diminuição da intensidade da produção. O professor Dalbianco descreve como isso é feito em algumas lavouras de soja do Rio Grande do Sul. De acordo com ele, os agricultores que praticam esse modelo não fazem a safra e a safrinha, que é plantar milho ou feijão logo após a colheita da soja em fevereiro e março.

“Geralmente, eles não têm feito isso, porque têm plantado o soja um pouco mais tarde para fugir da seca de janeiro e fevereiro, colhendo mais tarde e deixando o solo “pousando”, descansando com cobertura vegetal, para ele se regenerar do impacto do ciclo produtivo anterior”, relata Dalbianco.

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