Por Conceição Lemes, compartilhado de Viomundo
Em 4 de janeiro de 2021, o professor e cientista Miguel Nicolelis postou no twitter:
Acabou. A equação brasileira é a seguinte:
Ou o país entra num lockdown nacional imediatamente, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021.
Era a segunda onda do novo coronavírus, que correu em março e abril.
“Foi o evento mais devastador da história sanitária do País”,afirma.
“De março a junho, nós perdemos o maior número de brasileiros associada a um único evento em toda nossa história”, frisa Nicolelis.
De fevereiro de 2020 (quando a pandemia começou aqui) a dezembro de 2021, a covid-19 matou 619.056 brasileiros, dos quais 412.880 durante o ano passado.
Curiosamente, em 4 de janeiro de 2022, Nicolelis, ao examinar os dados do mundo, concluiu que estava olhando para uma situação um pouco melhor que a de um ano antes, porque existem vacinas. 67% da população brasileira já tomou as duas doses.
“Mas, mesmo assim, uma situação crítica, de novo”, diz, preocupado.
“Nós estamos provavelmente no começo da explosão da fase exponencial que a gente já viu duas vezes no Brasil e seis vezes no mundo todo”, diz o professor Nicolelis em entrevista exclusiva ao Viomundo, no final da tarde da última quarta-feira, 06-01 (assista-a, na íntegra, no vídeo no topo).
Basta analisar os dados da Europa e Estados Unidos.
A Europa está tendo a maior explosão de novos casos, desde o início da pandemia.
Na segunda-feira, 4 de janeiro de 2022, os EUA cruzaram 1 milhão de casos em 24 horas.
Na terça, 885 mil casos e 2.366 óbitos. Havia mais de 112 mil americanos hospitalizados por covid, sendo 20 mil em UTI.
“Desde o início da pandemia, número recorde de pessoas internadas e em UTI por covid nos EUA”, salienta Nicolelis.
Na quarta-feira, 06-01, o diretor-chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, teve que dar um passo atrás e dizer que a ômicron não deve ser classificada como uma variante “leve”, pois está matando pessoas e deixando os hospitais superlotados. E que essa narrativa de “leve” tem que acabar.
“A covid pela ômicron pode dar sintomas não tão graves, como os causados pela delta”, traduz Nicolelis.
“Mas, a nível populacional, quando você tem 2,5 milhões de casos no mundo em 24 horas, como na terça-feira [05-010], nada pode ser considerado leve”, acrescenta.
Para o professor, a situação no Brasil é grave.
“A sensação que tenho é que nós somos um avião voando no meio de um tufão, sem nenhum instrumento, às cegas, sem saber a dimensão da situação”, alerta na entrevista ao Viomundo.
PORQUE ESTAMOS ÀS CEGAS
1. Há uma grande subnotificação de casos.
2. Há quase um mês os dados epidemiológicos Ministério da Saúde sobre a covid ficaram fora do ar. O ministro Marcelo Queiroga disse que os sistemas tinham sido hackeados.
“Normalmente os hackers adoram reivindicar os seus feitos. Mas até agora não apareceu ninguém, dizendo que fez o hackeamento”, estranha Nicolelis.
“O fato é que continuamos sem dados epidemiológicos reais sobre a pandemia no Brasil”, expõe.
3. Não há uma diretriz nacional baseada em evidências científicas para lidar com a covid, cada prefeito atira para um lado.
4. Enquanto ainda tínhamos dados reais, eles sumiram do noticiário.
Só se falava da média móvel, nada dos riscos que a gente estava correndo em brincar com a delta e com ômicrom, quando ela surgiu.
“A narrativa de que a ômicron era leve gerou uma espécie de passaporte para as pessoas aglomerarem no final do ano”, expõe.
5. Estamos às cegas com um ministro da Saúde que diz que 300 óbitos de criança da faixa de 5 a 11 anos é aceitável.
“Dizer que é aceitáveil porque está dentro do esperado é de uma falta de empatia humana, de uma falta de ética”, condena. “Em qualquer democracia do mundo, ele já teria sido demitido.”
6. No Brasil, nós temos três epidemias concorrentes, concomitantes: influenza, delta e a ômicron.
“Diante disso, eu me me arrisco a dizer que estamos muito próximos ou acima do que está acontecendo na Argentina, que atingiu recorde absoluto de casos de covid, desde o início da pandemia”, informa.
No dia 4 de janeiro, a Argentina teve 82.210 casos de covid em 24 horas.
Dia 5: 95.159.
Dia 6: 109.608.
Dia 7: 110.533.
O fato é que já há explosões de casos de covid em, pelo menos, 12 estados brasileiros.
CAUSAS DA EXPLOSÃO DE CASOS
Segundo o professor Nicolelis, há três fatores básicos:
Primeiro: a ômicron é dezena de vezes mais transmissível do que a delta que, por sua vez, já era mais transmissível do que a variante original do novo coronávirus.
Um estudo mostra que na China houve transmissão na abertura de portas de quartos vizinhos num hotel de quarentena. Ou seja, as pessoas abriram a porta para pegar a refeição e foram infectadas.
Segundo: existe um número de não vacinados razoável, que são um reservatório natural para o vírus da covid. São alguns milhões de pessoas em cada país.
— E a pessoa vacinada pode pegar a variante ômicron? –alguém talvez pergunte.
“Pode, o seu caso vai ser menos grave, você não precisará de hospitalização”, responde Nicolelis. “Mas você pode transmitir também.”
Terceiro: é um problema cultural da nossa espécie nesse momento da história.
As pessoas não conseguem renunciar à normalidade anterior à pandemia: festas de fim de ano, shows, jogo de futebol e agora já estão falando em carnaval.
“É como se vivêssemos numa ilha no mundo, o que não é verdade”, avisa Nicolelis. “Os aeroportos e portos estão abertos, as pessoas vêm para o Brasil, não tem fiscalização nenhuma.”
O resultado é o que o professor chama da “festa do pós-reveillon da ômicron”.
“A cultura do hedonismo se transformou neste momento da história em algo mais importante que o instinto de sobrevivência da humanidade”, diz, estupefato.
APATIA DA CLASSE POLÍTICA, FIM DA PANDEMIA, MÁSCARA
Ao longo da nossa entrevista que durou 44 minutos, o cientista Miguel Nicolelis abordou também:
— Absurdo o adiamento da vacinação de crianças de 5 a 11 anos; além do risco de se infectarem, elas podem também transmitir a ômicron.
— Influenza ou covid por ômicron, cujos sintomas são idênticos? Cadê a influenza no mundo?
— “A apatia, o silêncio e a falta de inicativa da classe política através de todo o espectro ideológico”.
— “A pandemia, o pandemônio e paralisia mental das instituições e da sociedade civil brasileira, como se nada estivesse acontecendo”.
— O parecer de um professor da USP, falando, em dezembro, em cancelar o uso de máscara em São Paulo. E um epidemiologista “que eu respeito” dizer, primeiro, que a pandemia ia acabar no 2º semestre de 2021. E agora ele diz que ela vai acabar em 2022.
“Foi um grande choque para mim”, revela.
“Em outubro do ano passado falaram que Manaus não ia ter mais nada porque tinha atingido 73% de positivação na cepa original do novo coronavírus. Aí, apareceu a gama, explodiu tudo em Manaus”, argumenta Nicolelis.
E questiona: Quem pode garantir que nós não teremos o aparecimento de uma outra variante?
Com 2,5 milhões de casos por dia é real a chance de aparecer uma variante mais transmissível e mais letal.
Mas também é possível o vírus mutar em algo que não seja tão transmissível.
Não tem como cravar agora, ainda mais que as pessoas estão se reinfectando.
Tem pessoas que já tiveram covid 3 vezes.