Por Lívia Inácio, do Lição de Casa, compartilhado de Projeto Colabora –
Dirigindo o próprio carro, na companhia do filho e do cachorro, Agnes garante suporte pedagógico a crianças da Região Metropolitana de Curitiba
Ao menos duas vezes por mês, a professora Agnes Dissmann percorre até 60 quilômetros para levar lições impressas aos alunos na região da Serra da Graciosa, em Quatro Barras, no Paraná. Às vezes, chega acompanhada de colegas e seu filho, mas seu amigo fiel de todas as viagens é Lupi, um cãozinho dócil que, em pouco tempo, vira sensação entre a criançada.
A pandemia mostrou que educadores brasileiros, mesmo com escolas fechadas, não desistem dos alunos e do ensino. Criado para acompanhar os impactos da pandemia de covid-19 na educação brasileira, o projeto Lição de Casa – uma Investigação Jornalística traz, neste Dia dos Professores, alguns exemplos desses devotos da educação no Paraná.
O trabalho de Agnes é oferecer suporte pedagógico para crianças e adolescentes no contraturno das aulas. Em suas turmas, estão alunos com restrições de aprendizagem cujas origens vão desde questões socioeconômicas a condições psíquicas, como o autismo. Ela leciona em duas escolas estaduais: a Arlinda Ferreira Creplive e a André Andreatta, na região metropolitana de Curitiba. E, desde o dia 6 de abril, por conta da pandemia da Covid-19, as atividades presenciais foram suspensas. Alguns alunos, Agnes mal chegou a conhecer.
No início da quarentena, os professores aproveitavam para repassar as lições impressas no momento da entrega das cestas básicas aos estudantes com dificuldades financeiras – medida adotada pela rede estadual do Paraná. Mas Agnes percebeu que boa parte dos 30 alunos dela não buscava os papéis e também não acessava a internet. Segundo a professora, na região da Serra da Graciosa, por exemplo, há locais em que, mesmo havendo rede. a conexão é fraca.
Em razão do isolamento social, o transporte foi reduzido. Por isso, alunos e pais de regiões mais distantes tinham dificuldade para se deslocar. Muitos sequer conseguiam buscar as cestas básicas. Não levou muito tempo até a professora entender que, se a escola não fosse até a Serra, a Serra não iria até a escola. Passou a levar as atividades de porta em porta e a buscar as pastinhas respondidas.
Tão longe, tão perto
O papel de professora neste momento atípico ultrapassa a esfera do ensino e, para Agnes, demanda mais empatia e acolhimento. “Vulnerabilidades comuns entre as crianças se agravaram e se tornaram ainda mais visíveis”, diz. Famílias perderam empregos e entes queridos por causa do coronavírus. Ela cita o caso de uma das alunas que havia parado de fazer as atividades. “Fui verificar o que houve e ela havia perdido a mãe por Covid-19”, relata.
Entre desencontros e muita estrada de chão, tantas idas e vindas têm valido a pena. Agnes tem aberto portas, literalmente. Em uma das casas que costumava ir, havia uma porteira que vez ou outra estava fechada. Há poucos dias, a mãe dos alunos disse que deixaria essa entrada livre aos domingos por saber que a professora viria.
Cada conquista é comemorada por ela com orgulho. Agnes ficou impressionada com o desenvolvimento de uma aluna de 12 anos, com barreiras na escrita. “Comecei a levar livrinhos e gibis e pedir resumos, como tenho feito com outras crianças. Da última vez que busquei a lição, fiquei impressionada com o texto, com o avanço. Até compartilhei com outros professores”, vibra.
Agnes não é a única professora no Estado a levar atividades de casa em casa durante a pandemia. Segundo a Secretaria de Educação do Paraná, há outros educadores que fazem busca ativa e levam materiais aos alunos. Além disso, ações que visam incluir digitalmente os jovens sem aparelhos próprios têm sido comuns.
Não basta ter rede
É o caso de uma iniciativa da pedagoga Cintia Bozza. Apesar de atuar em uma escola estadual cujos alunos vivem predominantemente em áreas urbanas, descobriu que parte dos estudantes não estava entregando as atividades. Uma mãe enviou email dizendo que a filha não tinha equipamentos para assistir às aulas regulares. Logo depois Cintia deu início a uma campanha independente para arrecadar celulares para crianças e adolescentes.
As aulas em tempo real por vídeo foram retomadas no fim de setembro. Alunos das escolas estaduais têm usado o aplicativo Aula Paraná, onde há um link para as lives no Google Classroom. O governo fechou parceria com quatro operadoras, cobrindo praticamente todo o território estadual. Mas isso não solucionou completamente o problema, que esbarra na falta de equipamentos eletrônicos.
Diante desse entrave e disposta a ajudar, a pedagoga, em uma semana, movimentou pessoas próximas, conseguiu arrecadar três aparelhos e continua na campanha. “Aqueles celulares que muitas vezes ficam num canto qualquer da casa, em desuso, podem ajudar um aluno a estudar, rever professores e colegas e matar a saudade da escola”, argumenta.
A retomada gradual das aulas presenciais está sendo estudada pelo governo estadual. Enquanto isso, professores, pedagogos, gestores e demais agentes que atuam na Educação se empenham para manter o vínculo escolar ativo mesmo em meio a adversidades.
O custo de tanta dedicação tem sido alto. O impacto emocional é um dos preços pagos por esses profissionais. “Já me senti impotente, cansada. É um processo desafiador, importante, necessário, mas exaustivo”, confessa Cintia, que diz sempre buscar apoio nos colegas de trabalho.
Para essas educadoras, a lição mais reforçada nesse caos instalado pelo coronavírus é a urgência de se buscar um mundo mais humano e sensível por meio da educação. E entregar atividades de porta em porta é só o começo dessa estrada.
Na foto da capa: A professora Agnes, acompanhado do filho e do cachorro, a caminho da casa de estudante na zona rural da Serra da Graciosa: apoio pedagógico em domicílio (Foto: Arquivo Pessoal)