Por Fernanda Baldioti, compartilhado de Projeto Colabora –
Por exigência de lei, a docente, que é concursada, precisou se credenciar a um credo cadastrado para entrar em sala de aula
“Qual o objetivo da escola senão discutir aquilo que o aluno não pode conversar ou ter acesso em casa?” É com esse questionamento em mente que a professora de ensino religioso Giovana* planeja suas aulas para jovens dos ensinos fundamental e médio de uma escola estadual da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O nome fictício é uma proteção para a docente que é concursada, mas que, de acordo com uma lei estadual, precisa do aval de uma religião credenciada para entrar em sala de aula. Após passar na seleção, ela conseguiu na Igreja Católica o atestado de fé, embora, na realidade, não tenha religião.
É esse “olhar de fora” que faz com que Giovana tenha uma visão crítica às exigências comuns da direção da escola, que espera que a professora de ensino religioso tenha um papel importante no calendário escolar em datas como a Páscoa ou o Natal: “Sou sempre procurada para fazer um projeto e explicar ‘o real significado da Páscoa’. Uma coisa é falar da Páscoa como manifestação cultural comum no Brasil, explicar suas origens… Outra coisa é ser chamada para cortar um bolo numa festa comemorativa e dar uma perspectiva cristã ao assunto. Não fiz e não farei isso”, diz ela.
Essa postura divergente, segundo a professora, acaba não sendo bem vista pela coordenação. Giovana conta que prefere ter uma atitude mais propositiva, apresentando projetos voltados para o debate em torno de racismo religioso e sobre liberdades civis. “Muitos projetos que vêm da coordenação são cristãos. E se você fala que não vai fazer isso ou que vai fazer de uma forma mais plural, você é boicotado. Várias vezes meus alunos já foram liberados comigo na escola”.
Não acredito que não haja proselitismo, já que é uma disciplina dada por pessoas que obrigatoriamente têm que se declarar religiosas
De 2013, quando começou a dar aula, para cá, Giovana vê diminuir o número de alunos optantes pela disciplina. Como o ensino religioso é de matrícula facultativa e não obrigatória, fica a critério dos alunos ou dos responsáveis fazer a inscrição. Em 2019, das sete turmas que ela teve no papel, apenas três funcionaram na prática. A professora acredita que o desinteresse possa ser explicado pelo fato de que, especialmente no Ensino Médio, os alunos podem estar mais preocupados como o Enem ou sobre o que vão fazer da vida. Para além disso, o avanço do conservadorismo é visto por ela como outro complicador: “Há agora um aval para a intolerância. Onde eu dou aula, a maioria dos alunos é evangélica, e vi resistência com relação ao meu trabalho também por parte da direção. Em alguns momentos, eu sequer consegui entrar em sala de aula para falar alguma coisa. Já aconteceu de alunos dizerem coisas do tipo ‘Essa professora não gosta de Jesus’ ou ‘Já viu o cabelo dela? Vai ensinar macumba pra gente!’.
Por essas e outras, ela não tem uma visão otimista sobre a prática da disciplina nas escolas públicas: “Eu não vejo o ensino religioso funcionando e não acredito que não haja proselitismo já que é uma disciplina dada por pessoas que obrigatoriamente têm que se declarar religiosas”.
*Nome fictício usado a pedido da professora
Essa reportagem foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social que tem o objetivo de fomentar a produção de material jornalístico de qualidade sobre temas relevantes da educação pública brasileira.