Via João Lopes, no Facebook –
Logo cedo fui avisada da prisão de uma moça. A audiência de custódia aconteceria à tarde. Eu, tensa, não conseguia parar de pensar que não tínhamos vagas para mulheres na cadeia da comarca. O que fazer? E se não fosse o caso de colocá-la em liberdade? Respirei fundo e aguardei a conclusão do flagrante. Horas depois, vieram me chamar no gabinete. Entrei na sala e lá estava ela, tímida, com os olhos voltados para o chão.
Quando a chamei pelo nome, levantou o rosto e pude observar um semblante sofrido. Aqueles olhos verdes eram tão transparentes que mostravam além, muito além do que queriam mostrar: tristeza, vergonha, medo.
Conversamos e fizemos a audiência. Os policiais, muito solícitos, logo me avisaram que o problema daquela jovem mulher não era apenas a infração que teria cometido. Entendi o recado – dependência química – e perguntei se queria ajuda, mesmo sem esperança.
Nunca recebi uma resposta positiva nesses casos. De repente, o silêncio após o meu questionamento foi rompido com um sonoro e decidido “SIM”. Chamamos o médico, que prontamente chegou acompanhado por um enfermeiro. Eles a examinaram. Pressão baixa, crise de abstinência.
Já era tarde para tentar uma vaga na clínica especializada. Nesse instante, o médico oferece um leito no pequeno hospital da cidade, para que ela tomasse um banho quente e dormisse em paz. Arrumamos calça, meia e camiseta – a moça me disse que a única coisa que queria era trocar de roupa. O cheiro da cadeia estava impregnado em suas vestes.
Ela, que chegou ao fórum de viatura, saía amparada por um enfermeiro, rumo a uma ambulância. No dia seguinte, o médico me encontra na porta do fórum.
Estava ali para contar que conseguiu a vaga para a nossa jovem numa clínica especializada.
O Direito Penal quase nunca é a resposta eficaz à tragédia que diariamente se apresenta no fórum em forma de gente. Gente sofrida, gente infeliz, gente até então invisível.
Às vezes basta uma equipe de profissionais comprometidos e dotados de sensibilidade para que um feixe de luz seja direcionado ao próximo.
Isso me anima. Isso me renova. Isso me faz persistir.
Um Relato da Fernanda Ozramarso