Por Yago Ferreira, Comunicação UFF , publicado em Projeto Colabora –
Pesquisadores do Departamento de Biologia divulgam uso de PANCs (pantas alimentícias não convencionais) de fácil acesso e alto valor nutritivo
Em todo o planeta, o número de plantas consumidas pelo homem caiu de 10 mil para 170 nos últimos cem anos, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). No Brasil, apesar da sua riqueza em ingredientes facilmente encontrados na natureza, a demanda do mercado se concentra em algumas dezenas de itens, enquanto milhares de espécies são esquecidas e, consequentemente, acabam por ser extintas. Sendo assim, com o objetivo de levar à sociedade informações sobre plantas de fácil acesso e alto teor nutritivo, um grupo do Departamento de Biologia da Universidade Federal Fluminense participa do projeto Pancs UFF, que busca oferecer alternativas à monotonia alimentar e valorização da flora local brasileira.
Idealizado em 2013 pela professora Odara Boscolo, o Pancs UFF trabalha a partir da divulgação do uso de plantas alimentícias não convencionais em escolas, comunidades, feiras e para o público geral, ressaltando a importância nutricional, ecológica e econômica que o consumo destas pode oferecer. Além dos alunos do próprio departamento, a iniciativa conta também com a colaboração de uma aluna voluntária de Artes e um aluno de Ciência da Computação. O projeto possui forte presença nas redes sociais, com páginas no Facebook e Instagram voltadas para a divulgação de pesquisas.
As plantas alimentícias não convencionais (de onde se origina o termo pancs) – que muitas vezes são consideradas unicamente como matos ou ervas daninhas, devido a seu crescimento espontâneo em diversos locais -, podem ser uma fonte de alimento abundante e saudável. Odara explica que o consumo das pancs “privilegia famílias de baixa renda, por serem plantas espontâneas e, portanto, com baixo ou nenhum custo. Também podem ser vistas como ferramentas de valorização da biodiversidade local, auxiliando na fixação do homem ao campo e contribuindo para a saúde de ecossistemas naturais – caso sejam colhidas para uso alimentício ao invés de eliminadas por herbicidas nas áreas cultiváveis”, explica a professora.
Como exemplos de pancs, podemos citar: o hibisco (popular no uso de ornamentação), que possui folhas ricas em ferro e pétalas ricas em antioxidantes; a beldroega (oriunda da Ásia), que apresenta grandes quantidades de fósforo, vitamina A, C, B1 e B2, cálcio e ferro; e a capuchinha (flor cuja tonalidade transita entre o amarelo-claro e o vermelho intenso), que além de rica em vitamina C e sais minerais, apresenta propriedades diuréticas, purificantes, analgésicas, anti-glicêmicas e anti-hemorrágicas.
A equipe do Pancs UFF produziu mais de 50 estudos acerca de espécies vegetais, incluindo um breve histórico de cada planta, características morfológicas essenciais para sua identificação, modo de propagação, usos alimentícios e medicinais atrelados, além de curiosidades e uma receita com cada espécie. Essas informações são inseridas em cartilhas distribuídas gratuitamente nos diversos eventos em que o projeto participa. Também foram criados jogos didáticos interativos para aproximar o público a uma alimentação mais diversificada e nutritiva. O Pancs UFF participou, em 2019, do programa UFF nas Praças, coordenado pela universidade, além de eventos no Colégio Pedro II e no Colégio Salesiano Santa Rosa.
Maria Eduarda Rodrigues, graduanda em Ciências Biológicas, se interessou pelo projeto em 2018 após uma divulgação feita por seus integrantes, no final de uma aula de botânica. A estudante desde então faz parte do Pancs UFF. “A partir dessa ocasião, expandi meu olhar sobre minha possibilidade de atuação como bióloga e entendi o valor da etnobotânica, que é o estudo sobre as interações entre comunidades humanas e plantas como sistemas dinâmicos”, afirma. “O programa permitiu que eu me descobrisse em tal área, entendendo não somente o mundo das plantas, que sempre foi minha primeira vontade, mas também a relação delas com nossa sociedade, seus usos, consumos e maneiras de lidar com elas ao longo da nossa história”, complementa.
A produção de aplicativo e site para a divulgação do conteúdo produzido pelas pesquisas em torno das pancs são objetivos futuros do projeto. O aplicativo estava sendo projetado a partir de uma bolsa oferecida pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI), que não foi renovada. Atualmente, são recursos próprios dos integrantes que auxiliam em sua confecção. “É essencial que a população tenha acesso às informações necessárias para que o consumo de plantas ainda desconhecidas, mas com grande potencial nutricional, se torne viável. Quanto maior for nossa presença em plataformas digitais, maior o público alcançado”, insiste Odara.
Há muitas demandas relacionadas à falta de verbas para a impressão das cartilhas e confecção de jogos, folders e insumos para as receitas voltadas ao público. A pesquisadora Odara ressalta: “todo o custo do projeto está saindo do nosso bolso. Aproveito para reiterar que somos um programa de extensão com muitas carências e atualmente contamos apenas com uma bolsa. Até o ano passado tínhamos duas; o programa é grande e precisamos de mais recursos para continuar”, afirma.
“Sem essa divulgação sobre as pancs, muitos não saberiam sequer que elas são comestíveis, muito menos as informações sobre formas de identificação, consumo, propriedades e ocorrência”, garante a graduanda Maria Eduarda. Cada planta estudada pelo programa apresenta uma forma diferente em seu preparo. Algumas podem ser consumidas in natura, na forma de sucos ou saladas. Outras podem ser cozidas ou refogadas, e também há aquelas que precisam passar pelo processo de cozimento antes da ingestão. “Devemos valorizar tais conhecimentos tradicionais, a fim de preservar as diversidades alimentar e nutricional humanas”, conclui a aluna.
Foto da Capa: A equipe do Pancs UFF produziu mais de 50 estudos sobre espécies vegetais, incluindo um histórico de cada planta, características essenciais para sua identificação, usos alimentícios e medicinais, além de uma receita para cada espécie (Foto: Divulgação)