Projeto Guarani-Kaiowás: “Retomar nossas terras é retomar nossa cultura”

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Por Marcelo Auler, em Seu blogue – 

A briga com produtores rurais pela terra de origem é um dos principais problemas das tribos Guanaris-Kaiowás que se espalham pelo Marto Grosso do Sul (MS). O depoimento a baixo (do qual peço desculpas pela qualidade do som prejudicada pelo vento), de Kunumi Apyka Rendy’s, que no cartório de registro civil ganhou o nome, há 29 anos, de Elson Canteiro Gomes, faz parte do material que há dez dias, após percorrer 2.800 quilômetros de carro entre o Rio e Dourados (MS) e por toda a região em torno deste município, recolho para uma série de reportagens especiais – “Guaranis-Kaiowás: à margem da lei, da cidadania e da vida” – sobre questões indígenas.




Normalmente, o que chega às páginas dos jornais e noticiários de TVs e da internet são as tragédias. Como a morte do agente de saúde indígena Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza, de 26 anos, em um ataque perpetrado por dezenas de produtores rurais, em 14 de junho passado, na reserva indígena  Te’ýikue, no município de Caarapó (MS). Na ocasião, outros oito indígenas foram atingidos por tiros, entre eles uma criança.

Deu-se na fazenda Yvu, 14 quilômetros do centro de Caarapó, cujo um pedaço da área que o fazendeiro Nelson Buanain Filho alega ser de sua propriedade foi oficialmente reconhecida como terra indígena por um estudo recentemente publicado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Trata-se do primeiro passo no processo de demarcação de reservas indígenas. Faltam ainda a homologação do estudo pelo Ministério da Justiça e o decreto criando a Reserva Indígena, a ser assinado pela Presidência da República.

Produtores rurais se defendem, lembrando que também seus antepassados foram chamados a colonizar e plantar nestas terras, recebendo títulos de propriedade dos governos brasileiro, especialmente durante o período da Ditadura Militar. Com a demora da Justiça, ou quando ela se recusa a atender pedidos como ocorreu no caso da Fazenda Yvu, surgem os conflitos. Tombam pessoas, índios e não índios.

O líder Guarani/Kaiowá, Kunumi Apyka Rendy's (Elson Canteiro Gomes) segura a bandeira do Brasil manchada com sangue dos índios derramado no ataque de produtores rurais que matou o índio
O líder Guarani/Kaiowá, Kunumi Apyka Rendy’s (Elson Canteiro Gomes) segura a bandeira do Brasil manchada com sangue dos índios derramado no ataque de produtores rurais que matou o índio Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza (Foto: Marcelo Auler)

Hoje, cinco dos produtores rurais, inclusive Buanain Filho, estão presos. Não conseguiram, ainda, reverter o mandado de prisão assinado pelo juiz Leandro André Tamua, então na 1ª Vara Federal Criminal de Dourados (MS), em um processo que corre em segredo de Justiça.

Ausência do Estado – A disputa pela terra que hoje envolve diversas comunidades, porém, não é o único problema pelo qual os indígenas passam. A maioria deles, provocada pela ausência do Estado. Há dois meses, por exemplo, o governo interino de Michel Temer suspendeu as verbas e deixou a Funai sem alimentos para distribuir para os indígenas carentes, em especial aqueles que estão acampados em terras retomadas, como eles definem. Ou aqueles abandonados à beira da estrada, como mostramos na primeira reportagem desta série – Guaranis-Kaiowá, à margem da lei, da cidadania e da vida, abandonados na BR-463. Assim, estes índios estão entregues à própria sorte e à caridade de quem lhes leva alimentos.

Há outros problemas que os envolve, assim com notícias boas, experiências que começam a dar resultados. Algumas comunidades já instaladas em reservas demarcadas têm uma vida diferente da imagem preconcebida que da maioria dos brasileiros,  construídas ainda nos bancos escolares. Aldeias atuais já convivem com casas de alvenaria, água encanada, rede elétrica, antenas parabólicas de TV, etc..

Ala de indígenas nas penitenciárias – Os jovens, ainda que vivam dentro de suas comunidades, praticam esportes – inclusive com futebol mistos, com índios e índias em um mesmo time -, utilizam celulares, navegam na internet, possuem páginas no Face book, tal como qualquer jovem dos grandes centros. Alguns já cursam faculdades, apesar das dificuldades. Muitos se deslocam de motos. Alguns índios mais idosos possuem possuem carros. Há, porém, os que vivem dependentes da aposentadoria por tempo de idade ou mesmo do Bolsa Família. Mas eles, na grande maioria, reclamam da ausência do Estado.

Álcool e drogas acabam gerando outro problema: a violência interna. Nos presídios de Mato Grosso do Sul há alas específicas para indígenas. Ao contrário do que muitos pensam, os crimes pelos quais foram condenados ou estão sendo investigados/processados, foram cometidos contra índios. Raros sãos casos de violência a não indígenas, embora existam alguns, como nos destacou o juiz César de Souza Lima, atual titular da 3ª vara Criminal de Dourados e Juiz da Vara de Execuções Penais.

Igrejas Evangélicas, das mais diversas denominações, se espalham pelas aldeias. Já templos católicos não chegamos a encontrar nas reservas que visitamos. Estas aldeias ainda mantêm as rezas tradicionais, com seus caciques-rezadores. Nas escolas dentro das reservas, professoras indígenas, nos dois primeiros anos do ensino fundamental, ensinam a língua Guarani. O português só surge no terceiro ano.

Uma grande dúvida paira no ar: as novas gerações conseguirão manter a cultura milenar de suas etnias, repassadas pelos antepassados? Irão retomar a sua cultura, como fala Kunumi Apyka Rendy’s/Elson Canteiro Gomes?

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