E o Bem Blogado volta com doces minicontos #quarentextos – da escritora e jornalista Sonia Nabarrete.
Por Sonia Nabarrete
Pitanga
A última vez que se viram foi há 40 anos, quando se despediram na estação ferroviária. Um momento doloroso para ambos. Ainda se amavam, e muito, mas não podiam ficar juntos naquele momento.
Casaram-se com outras pessoas, tiveram filhos, divorciaram-se e agora, durante a quarentena, se reencontram em uma rede social.
Ele a reconheceu imediatamente. Eram os mesmos olhos verdes que vertiam lágrimas no último encontro, agora rodeados por rugas.
Ela achou que ele tinha ficado muito parecido com o pai, calvo e de óculos.
O tempo havia deixado suas marcas, mas os dois se acharam atraentes.
Durante a quarentena, trocaram mensagens diárias, tentando colocar a conversa em dia, enquanto aguardavam o momento do encontro presencial.
Combinaram que seria na mesma estação onde haviam se despedido. E assim foi feito ao final da pandemia.
— Desculpe o atraso— disse ela.
— Sem problema. Foram apenas quarenta anos e quinze minutos. Mas vamos retomar a conversa interrompida. Você ainda gosta de sorvete de pitanga?
— Adoro.
— E de mim?
— Mais do que sorvete de pitanga.
Manos
— Toma cuidado, mano. Vou te dar a letra: este bagulho é muito louco. Chega num pá-pum e impregna. Daí te fode legal e tu fica pra morrer. Porra sinistra. Tu fica zureta, não consegue nem respirar direito.
— Tô sabendo, este vírus é muito foda.
— Num tô falando de vírus não. Tô apaixonado.