Quaest: “Lua de mel” acabou, mas o casamento segue firme

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É preciso olhar com naturalidade, sem dramatizar, para os números da Quaest divulgados hoje. O governo Lula tem 36% de ótimo e bom, e a aprovação pessoal do presidente da república é 53%. São números excelentes, sob qualquer ponto de vista, numa democracia sólida.

Por Miguel do Rosario, compartilhado da Revista Fórum




Lula e os militares, 19 de abril de 2023
Lula e os militares, 19 de abril de 2023Créditos: Ricardo Stuckert

O B.B.King tem uma canção linda – e tristíssima – sobre o fim do período mais intenso de um relacionamento amoroso. The thrill is gone. Difícil traduzir, pois “a excitação se foi” soa mais vulgar do que o original.

Talvez “o deslumbramento acabou” faça mais sentido.

Em nosso caso, fiquemos no convencional: é o fim da lua de mel entre governo e população.

Mas é preciso olhar com naturalidade, sem dramatizar, para os números da Quaest divulgados hoje. O governo Lula tem 36% de ótimo e bom, e a aprovação pessoal do presidente da república é de 53%.

São números excelentes, sob qualquer ponto de vista, numa democracia sólida e competitiva.

Lula recebeu 48,4% dos votos no primeiro turno e 50,9% no segundo.

Na segmentação por voto no segundo turno, vemos que a queda na aprovação pessoal do presidente veio sobretudo do eleitor de Bolsonaro, o que também é natural. Nada mais esperável que o eleitor de Bolsoanaro seja o primeiro a se cansar da lua de mel.

Entre eleitores de Lula no segundo turno, 90% ainda aprovam o comportamento pessoal do presidente, o que é um desempenho extraordinário, apesar da oscilação (absolutamente natural) de 4 pontos para baixo em relação a fevereiro.

A desaprovação de Lula entre seus próprios eleitores, contudo, variou marginalmente, dentro da margem de erro, de 3% para 5%.

Ou seja, Lula permanece extremamente popular entre seus próprios eleitores, que formam a maioria do eleitorado. O casamento segue firme!

A queda na aprovação de Lula entre eleitores de Bolsonaro, por sua vez, foi mais acentuada: em fevereiro, 22% aprovavam o comportamento de Lula, percentual que hoje é de 15%, queda de 7 pontos.

Segundo a Quaest, o governo tem 36% de ótimo e bom e 29% de ruim e péssimo.

Nessa mesma data, há quatro anos, Bolsonaro tinha 32% de ótimo e bom e 30% de ruim e péssimo, e era considerado um fenômeno de popularidade.

A pesquisa confirma a tendência já apontada pela última Ipec, de que o tradicional período de “lua de mel” se esgotou. O bom senso, que não apenas é o analista político supremo, como também orienta o bom humor dos eleitores, determina que boa parte destes, sobretudo os menos “polarizados”, concedam um período de teste para o novo governo. E o tempo médio costuma ser exatamente por volta de cem dias.

Toda variação negativa de aprovação deveria preocupar um governo, mas, neste caso, é preciso dar o desconto de que se trata, em grande parte, de uma variação natural, inevitável. O fim da lua de mel é um fato inexorável da natureza, e, por mais que Lula tenha inegáveis talentos como liderança política, ele também está submetido às leis naturais.

Além disso, a Quaest de fevereiro (entrevistas realizadas entre os dias 10 a 13 de fevereiro), com seus 65% de aprovação pessoal de Lula, parecia um pouco exagerada.

Uma pesquisa Ipec realizada entre os dias 2 a 6 de março, traria dados mais razoáveis, de aprovação pessoal de Lula de 57%.

Na Ipec de abril, a aprovação de Lula estava em 54%, percentual similar aos 53% da Quaest de hoje.

Os fatores que desgastaram a lua de mel, como também é natural, nascem da ressaca pós-eleitoral, e da deterioração das expectativas econômicas. Mas esses números são igualmente muito contaminados pela polarização, de maneira que vale a pena, mais uma vez, examinar a diferença na avaliação conforme o voto no segundo turno.

A Quaest identificou que, entre eleitores de Lula, o otimismo ainda é muito alto: 76% acham que a economia vai melhorar. O percentual de eleitores de Lula que se disseram pessimistas é insignificante, 5%, praticamente o mesmo número de fevereiro.

Já entre eleitores de Bolsonaro se observa uma deterioração mais expressiva das expectativas econômicas, com 57% afirmando aos pesquisadores que acreditam em piora da economia (em fevereiro, eram 51%). Por outro lado, a mesma pesquisa mostra que o percentual de bolsonaristas que acreditam que a economia deve melhorar segue estável,  em torno de 25%.

Conclusão

É importante, reitero, não dramatizar os números da Quaest. A variação abrupta é a soma provável de dois fatores: 1) os números pareciam exagerados em fevereiro, e 2) o fim da lua de mel entre os eleitores de Bolsonaro e o governo Lula.

Lula ainda tem uma aprovação positiva no geral, e extremamente positiva junto a seu próprio eleitorado. Num ambiente fortemente polarizado, o governo deve tomar muito cuidado para não se queimar junto a própria base, e não creio que isso esteja acontecendo.

Como foram lançados muitos programas sociais importantes, espera-se ainda que o governo deva colher os frutos da popularidade ao longo dos próximos meses.

A Quaest confirma que o maior medo do brasileiro, especialmente do eleitor de Bolsonaro (porque ele confia menos no governo Lula), é a inflação.

Segundo a pesquisa, a expectativa de aumento de inflação subiu de 39% para 49%, aí somados eleitores de Lula e Bolsonaro, ao passo que aqueles que esperavam queda da inflação, que eram 29% em fevereiro, hoje são 19%.

Entretanto, os últimos números para inflação, divulgados pelo IBGE, mostram queda acentuada dos preços em março. A inflação acumulada em 12 meses vem caindo expressivamente desde o segundo semestre do ano passado, e continuou caindo em 2023. Em março, a inflação acumulada em 12 meses foi de 4,65%, a menor taxa em muitos anos.

Nas últimas duas semanas, o dólar vem caindo, e a Petrobrás vem anunciando, há semanas, quedas sucessivas no preço do diesel, de maneira que tudo indica que a inflação deve continuar sob controle, ou mesmo em queda, nos próximos meses.

Inflação baixa, sob controle, é música para o eleitorado brasileiro. Se fosse arriscar uma previsão para as próximas pesquisas, portanto, seria a de que as expectativas econômicas e, portanto, a aprovação do governo, devem se estabilizar. Ou talvez até melhorar um pouco, sobretudo quando o governo iniciar o anúncio de seus primeiros grandes projetos estratégicos, como Lula prometeu fazer a partir de maio, voltados para geração de empregos e crescimento econômico.

Seguindo nossa analogia matrimonial, poderíamos dizer que, embora o período mais eufórico da lua de mel tenha passado, o casamento permanece feliz, sobretudo para os eleitores de Lula. Quanto aos eleitores de Bolsonaro, será difícil vê-los dando nota positiva ao governo e ao presidente.

A esta altura, é provável, além disso, que a extrema-direita já tenha conseguido reorganizar suas redes sociais, após o desastre que foi, para ela, a derrota de Bolsonaro no segundo turno e o 8 de janeiro. Isso também poderia ser a razão para algumas mudanças nos percentuais de aprovação de governo entre eleitores de Bolsonaro.

A desbolsonarização do país, por sua vez, apenas acontecerá quando o governo organizar uma estratégia de comunicação bem mais efetiva do que a que vemos hoje. Mas isso também é um processo de aprendizado, de erros e acertos, e a população brasileira deu um período de quatro anos para o governo – e todo o campo progressista – se exercitar, treinar e aprender.

Clique aqui para ler o relatório completo da pesquisa Quaest.

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