Homem mais rico do mundo tenta comprar uma influente rede social. E não é para defender a ‘liberdade de expressão’
Por Glauco Faria, compartilhado de Brasil de Fato
O bilionário Elon Musk formalizou nesta quarta-feira (13) uma oferta hostil (quando a empresa pode ser comprada mesmo sem anuência do conselho de administração) para ter o controle total do Twitter. O dono da Tesla e SpaceX propôs um valor de US$ 54,20 por ação pela plataforma, afirmando ser sua “melhor e definitiva oferta”, pontuando que, caso não seja aceita, “precisaria reconsiderar minha posição como acionista”.
Em carta enviada ao presidente do Twitter, Bret Taylor, Musk destacou que teria investido na companhia pelo seu “potencial de ser a plataforma da liberdade de expressão em todo o mundo”. Para isso, segundo ele, a rede social teria que passar por mudanças. “No entanto, desde que fiz meu investimento, agora percebo que a empresa não prosperará nem atenderá a esse imperativo social em sua forma atual.”
O discurso do bilionário em torno da plataforma apela para a questão da liberdade de expressão, mas isso por vários motivos que não estão exatamente relacionados a uma “causa”.
Segundo o sociólogo, professor da Universidade Federal do ABC e pesquisador das redes digitais Sergio Amadeu, o objetivo de Musk é formar um truste (união de empresas sob a mesma organização para dominar determinados setores) digital.
“A proposta bastante agressiva de adquirir o controle total do Twitter vem no sentido de conseguir ter uma rede social de relevância. Na verdade, Musk percebeu o que outros como Jeff Bezos (Amazon), Microsoft e Apple já tinham percebido, as grandes ‘big techs’ tentam ser plataformas que atuam nas mais diversas áreas”, explica.
“O Google, por exemplo, saiu de um mecanismo de buscas para adquirir um repositório de vídeos; depois, já era importante na máquina de e-mails, foi comprando outros coisas e se torna um importante truste digital. Todas essas grandes empresas de tecnologia tentam ser cadeias complexas que organizam diversas plataformas e muitas delas dominam mercados específicos.”
E dentro dessa estratégia de dominar setores do mercado, o Twitter pode ser apenas a primeira iniciativa mais agressiva do bilionário. “Uma plataforma é basicamente uma estrutura digital que entra em uma atividade como intermediária, garantindo a interação entre a oferta e a demanda de determinada atividade, demanda ou serviço. O Google é uma grande plataforma de busca, também de vídeo, e agora está entrando na área de inteligência artificial e na área de saúde”, exemplifica. “
O que Musk está fazendo é, a partir das empresas de carros inteligentes, da exploração espacial e de outras empresas de inteligência artificial, o caminho inverso, indo para outras áreas em que vai fazer investidas tão agressivas como no Twitter.”
Não é pela “liberdade de expressão”
“Musk diz que quer ‘libertar’ a internet. Mas o que ele realmente pretende fazer é torná-la ainda menos responsável do que é agora, quando muitas vezes é impossível descobrir quem está tomando as decisões sobre como os algoritmos são projetados, quem está munindo as mídias sociais com mentiras, quem está envenenando nossas mentes com pseudociência e propaganda, e quem está decidindo quais versões dos eventos se tornam virais e quais permanecem em segredo”, aponta o ex-secretário de Trabalho dos Estados Unidos e professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Robert Reich, em artigo publicado no jornal britânico The Guardian.
Esse mundo seria dominado pelas pessoas mais ricas e poderosas do planeta, que não seriam responsáveis por fatos, verdade, ciência ou o bem comum.
Ele ressalta que a noção de “liberdade” do empresário se relaciona, na prática, a poder. “Na visão de Musk sobre o Twitter e a internet, ele seria o mago por trás da cortina – projetando na tela uma imagem falsa de um admirável mundo novo que empodera todos”, pontua. “Na realidade, esse mundo seria dominado pelas pessoas mais ricas e poderosas do planeta, que não seriam responsáveis por fatos, verdade, ciência ou o bem comum.”
Reich questiona ainda se a aquisição faria com que personalidades banidas da rede social, como o ex-presidente do Estados Unidos Donald Trump, excluído dois dias depois do ataque ao Capitólio, estimulado em parte por tuítes publicados por ele mesmo, possam retornar à plataforma. “Musk usará sua influência para deixar Trump voltar? Temo que ele o fará.”
Acesso ilimitado à mídia
Outro ponto que o dono da Tesla tenta associar à liberdade de expressão é o fato de sua postagens no Twitter terem sido motivo para processos movidos no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a SEC.
Em um tuíte publicado em novembro de 2018, por exemplo, ele perguntou a seus mais de 80 milhões de seguidores se deveria vender 10% de sua fatia na Tesla. O órgão regulador apontou fraude contra os investidores na ocasião e Musk pagou uma multa de US$ 20 milhões, quantia insignificante diante de sua fortuna estimada em US$ 219 bilhões.
“Ele tem acesso ilimitado à mídia; tem acesso ilimitado a qualquer plataforma que possa querer”, diz David Kaye, professor de direito da UC Irvine e ex-relator especial da ONU para a liberdade de expressão, em matéria do site Vox. “Ele não é uma vítima de forma alguma. É uma voz pública praticamente inimaginável em termos de falta de restrição em comparação com quase qualquer outra pessoa no planeta.”
Ele tem acesso ilimitado a qualquer plataforma que possa querer.
Também no Vox, Evan Greer, diretor da Fight for the Future, organização sem fins lucrativos que defende os direitos digitais, aponta que Musk, na verdade, é que representa um risco.
“Se temos que nos preocupar com o que Elon Musk pensa sobre moderação de conteúdo, já temos um problema”, pondera. “Há poucas empresas que têm muito poder sobre o que pode ser visto, ouvido e feito em meio digital, e o fato de que o homem mais rico da Terra pode simplesmente comprar a capacidade de influenciar nosso discurso online mostra que temos um problema estrutural fundamental com a forma como as mídias sociais estão atualmente organizadas.”
Musk e Twitter: relação conflituosa
No início de abril, Elon Musk se tornou o maior acionista da plataforma ao adquirir 9,2% das suas ações. Quando comunicou o órgão regulador do mercado dos Estados Unidos a aquisição, a empresa havia sinalizado que ele não faria parte do seu conselho de administração, cenário que se alterou poucos dias depois.
Mesmo sem ser empossado, Musk fez publicações na rede social falando sobre que tipo de mudanças pensava em propor, como a possibilidade de incluir um botão para editar tuítes já postados. A empresa respondeu, também por meio da plataforma, que está trabalhando para adicionar um botão com essa possibilidade para usuários pagantes, funcionalidade testada em países como os EUA, Canadá e Austrália.
Depois disso, o bilionário continuou lançando consultas informais na rede, com questões como se a letra W deveria ser removida do Twitter ou se a sede da companhia em São Francisco deveria ser transformada em um abrigo para sem-teto, já que “ninguém passa por aqui de qualquer maneira”.
Pouco antes da reunião do conselho que discutiria a inclusão de seu nome no colegiado, Musk comunicou ao CEO do Twitter, Parag Agrawal, que havia desistido da ideia, deletando suas postagens relativas à rede social, deixando apenas uma publicação em que questionava se o “Twitter estava morrendo”.
A desistência acenava para uma possível tentativa de compra de Musk, já que membros do conselho de administração do Twitter só podem acumular até 14,9% das ações. “Ter menos de 15% (das ações) e um assento (no conselho) poderia ter sido a pior posição para Elon, já que seu poder oficial seria muito limitado e ele estaria aberto a sofrer ações judiciais de acionistas quando cometesse erros”, disse na rede social Alex Stamos, ex-chefe de segurança do Facebook, ressaltando que conseguir ao menos 50% das ações seria o objetivo real do bilionário, hipótese que se confirmou com a oferta formalizada por ele.
Com informações de El Diario
Edição: Felipe Mendes