Por Raphael Silva Fagundes, publicado em Le Monde Diplomatic –
A Globo, que apoiou o golpe e a política econômica que ele trouxe, criou um terreno perfeito para o crescimento da extrema direita
É muita cara de pau uma jornalista como Miriam Leitão vir dizer agora que o PT combateu a corrupção e que representa muito mais a democracia que Bolsonaro. A Globo foi a corporação midiática que contribuiu na disseminação da maior fakenews de todas: a de que o PT quebrou o Brasil.
Essa fakenews misturada com o enfraquecimento das instituições promovido também pela mídia, pois destacava que tudo resumia-se a corrupção, acabou por criar o monstro da extrema direita. Quando as instituições estão nitidamente enfraquecidas, as pessoas se refugiam nos elementos religiosos, e os candidatos da extrema direita aproximaram-se, oportunamente, da religião que mais cresce no Brasil: o neopentecostalismo.
Se olharmos os governos petistas, observaremos o crescimento na economia, a queda nas desigualdades sociais, o acesso maior às liberdades de expressão e religiosas, o controle da inflação, desemprego baixo etc. A “quebra” se deu a partir da crise política que chegou ao cume em 2015, já que o PSDB não conseguiu convencer a população de seu projeto econômico. Os defensores desse projeto forçaram Dilma a ceder a partir daí. Em 2016, com a necessidade de desvincular o PT a esse projeto desencadeou-se o golpe. Mas deu-se um tiro no pé. O projeto econômico de Temer, o mesmo do PSDB e que o PT negou-se a corroborar, aprofundou o país em uma crise ainda maior.
A estratégia adotada então foi não prender Temer mesmo sabendo de sua relação com Eduardo Cunha. Mantendo o famigerado golpista no poder, criou-se uma vitrine ao redor dele para servir de mais um motivo para odiar o PT, já que quem votou na Dilma, também votou no Temer, como se diz. Um embuste, já que é o candidato do PSL que irá dar continuidade ao modelo neoliberal de Temer, criticado abertamente por Haddad.
A Globo, que apoiou o golpe e a política econômica que ele trouxe, criou um terreno perfeito para o crescimento da extrema direita, já que não deu espaço para não odiar, pelo contrário, transformou o ódio em moda, acusando os políticos corruptos de serem a única causa da crise, livrando as grandes corporações de todo o esquema. (A crise não foi gerada pela corrupção. Esse argumento é um engodo. A corrupção é evidenciada em tempos de crise para nos desviar da ideia de que o capitalismo, como explicam Marx e Engels, assemelha-se ao feiticeiro “que já não pode controlar as potências infernais por ele postas em movimento […] basta mencionar as crises que, com seu periódico retorno, põem em questão e ameaçam cada vez mais a existência de toda a sociedade burguesa”).[1] Dessa forma, o político que teve disposição para dizer, sem ressalvas e escrúpulos, que também odeia tudo, ganhou espaço. A extrema direita apenas brotou do terreno fértil adubado pela mídia.
O ódio à corrupção, criado pela imprensa, para fazer com que o povo não aprofundasse o seu conhecimento sobre política, contribuiu – talvez até sem querer – para minimizar os outros tipos de ódio. Ele ocupou todo o espaço. O ódio ao negro, à mulher, ao homossexual tornou-se insignificante em relação ao ódio que se tem à corrupção. Por isso, quando criticam Bolsonaro por disseminar o ódio, ecoa apenas uma frase: “eu não sou corrupto”. A partir daí tudo é permitido. Por isso, seria importante e honesto a mídia assumir a sua parcela de culpa.
Foi a mídia que criou esse abismo que agora o povo brasileiro está prestes a se lançar. Até porque “o autoritarismo não surge do nada. Os demagogos não podem florescer no meio de instituições funcionais, justas e imparciais”, destacam os jornalistas Glenn Greenwald e Victor Pougy do site norte-americano Intercept.[2] E a nossa mídia, aliada a um Judiciário que não pune certos políticos por racismo, por excitar o ódio ou por induzir os eleitores a cometer crimes eleitorais, revela sua parcialidade forjando, na cara dura, tiranos.
Através das fakenews, que agora faz de tudo para combater, a mídia acabou com a democracia no país e criou um grande monstro que pode nos levar a uma época sombria, fomentando o que há de pior nas pessoas. Agora, o que diz perdeu credibilidade, tanto por aqueles que acreditaram em suas mentiras quanto por aqueles sempre desconfiaram. Portanto, a suposta investida de Miriam Leitão e da Globo contra Bolsonaro não surtirá efeito algum. Basta chorar o leite derramado.
Como esquerda não podemos acreditar no discurso dessa mídia que compactua com o imperialismo. É necessário reorganizar as forças dos movimentos sociais em termos classistas para assim promover uma corrente realmente revolucionária, ou pelo menos restabelecer a democracia. O PT estava guiando o Brasil em um rumo não muito agradável em termos trabalhistas, mas ainda assim esboçava certo crescimento econômico e uma diminuição tímida da desigualdade social. Precisamos defender esse Brasil, para em seguida exigirmos mais democracia e a socialização da riqueza produzida.
*Raphael Silva Fagundes é doutor em História Política pela Uerj e professor da rede municipal do Rio de Janeiro e de Itaguaí.