Por Ulisses Capozzoli, jornalista
A bizarra, surpreendente e descabelada idéia anunciada por Donald Trump de apoderar-se do território de Gaza, retirar todo o entulho deixado pela criminosa ação de Israel, incluindo bombas não detonadas, e fazer desse espaço uma “Riviera do Oriente Médio onde viva gente do mundo” (…) com o deslocamento forçado e “permanente” de seus habitantes certamente não terá passado pela imaginação mais exótica de seus admiradores/críticos.
Os Estados Unidos já abrigaram fenômenos de patologia social do porte da Lei Seca e do Macharthismo, exibindo com clareza solar o calcanhar de Aquiles de sua suposta democracia plena, mas essa proposta de façanha supera toda intolerância/desfaçatez que a antecedeu.
Simplesmente inacreditável. Um cômico, cínico, torpe, desprezível mesmo, não teria chegado a tanto. Isso prova que o presidente recém-empossado, o primeiro ocupante desse posto com uma acusação criminal nas costas, uma exótica mochila, adotou, à sua maneira, a frase que marcou a histórica série “Jornada nas Estrelas” algo como “estar onde nenhum humano esteve antes”, ainda que com risco de destruição absoluta, em lugar de contato/aproximação: metáfora do que vem por aí.
Vladmir Putin deve estar rindo a valer, na companhia de seus oligarcas, os novos exóticos ricos. Ele, acusado de “expansionismo” por reagir (à moda dele, evidentemente) à “evolução política” da Ucrânia, com a queda da então União Soviética, quando, os Estados Unidos, tentaram fazer do país a rampa de lançamento de mísseis para encurralar a Rússia nos moldes em que a antiga União Soviética pretendeu com Cuba em 1962.
Gente insuspeita de intervencionismo como o ex-secretário de estado americano, o judeu-alemão Henry Kissinger (1923-2023), pregou ao longo dos seus últimos vinte anos de vida em relação aos Estados Unidos: “não se metam com a Ucrânia”. Kissinger sabia, com a clareza do sol do meio-dia, do que estava falando.
A proposta cínica/despropositada, patológica mesmo do presidente americano, estuprando o direito internacional, como violador contumaz, pode ser interpretada em um amplo leque de opções e uma delas sugere a revelação inequívoca de um império em decadência, de que ocorrências em Roma, que antecederam o ano final de 492, são, comparativamente, pálidas cenas de uma dramaturgia trágica.
O que esperar, depois disso, de eventuais outros predadores, dos muitos que ocupam cargos de poder nesta ameaçada terceira pedra do Sol, em inúmeros casos “eleitos” pela indiferença/ignorância/alienação dos que constroem o cadafalso em que serão pendurados?
William Shakespeare talvez tivesse escolhido viver no presente, se tivesse percepção do que seria a época histórica em que nos encontramos, com a tragédia alojada sob os pés, dissimulada por pálida camada de camuflagem envolvendo “liberdade” e “democracia”.
Em resumo, ainda que isso não passe de apenas um mero ponto de vista pessoal, com lastro em não mais que meia dúzia de referências históricas: Se ele puder, também outros vão achar que podem e este será o fim dessa história.
Ao menos por aqui.
Imagem: reprodução Reuters