Quando bati bola com Johan Cruyff

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 Por Claudio Lovato Filho, jonalista e escritor – 

A primeira Copa do Mundo que acompanhei de fio a pavio foi a de 1974, na então Alemanha Ocidental. Eu tinha 9 anos. Cruyff foi o grande destaque e imediatamente tornou-se um herói para mim. Até hoje é. Herói e lenda. A camisa 14 da Seleção da Holanda jamais me saiu da cabeça.




Em 1977, eu tinha 12 anos e meu pai estava fazendo doutorado na Espanha. Morávamos em Madri, mas meu velho, sabendo do que não parava de se passar na cabeça do filho, resolveu aproveitar um período menos atribulado na universidade para irmos a Barcelona.

Foi no segundo dia de viagem que minha ansiedade chegou ao limite, e meu pai, ciente de que não valia a pena tentar transpor aquele limite, me disse:

“Vamos conhecer o Camp Nou”.

Dentro do táxi, eu quase não conseguia ficar sentado.

Não havia treino naquele dia, eu teria que me conformar com uma visita guiada, mas já estava ótimo. Ou quase ótimo. Enfim.

Terminada a visita fomos até a lojinha do estádio e meu pai me deu uma bola com o escudo do clube. Depois resolvemos dar uma volta pelas redondezas do estádio, por conta própria. Meu pai tinha uma espécie de curiosidade inerente à sua personalidade e isso ajudou para que um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida se materializasse.

Entra aqui, sai ali, aproveita aqui o descuido do cara na guarita de segurança, diz ali para um porteiro que somos brasileiros, e vai-se entrando e saindo e entrando de novo, até que chegamos a uma área de estacionamento, e foi então que vimos dois sujeitos saindo juntos por uma porta e se despedindo e se dirigindo a seus carros, e de repente tive a certeza de quem era o cara caminhando em direção ao carro verde escuro e não havia qualquer dúvida na minha cabeça, era ele, Cruyff.

Eu e meu pai caminhamos em direção a ele, devagar, como quem carrega nas mãos vasos de cristal fino de propriedade da avó ou da sogra, mas com convicção, e foi então que ele, em vez de abrir a porta do carro, voltou-se para nós, tirou os óculos escuros e falou em espanhol, com toda a calma do mundo, a voz grave, o cenho levemente franzido, o sorriso complacente:

“Estão visitando o clube?”

Diante do meu absoluto mutismo, meu pai respondeu:

“Sim, somos do Brasil”.

Ele caminhou em nossa direção até chegar à distância de um aperto de mãos.

“Brasil”, ele disse, enfatizando cada sílaba. “Tivemos um jogo duro contra vocês na última Copa”.

Meu pai sorriu e, em seu espanhol fluente, disse:

“Vocês foram melhores”.

Ele sorriu de volta e então olhou para mim.

“O que é que tem aí dentro?”, perguntou, apontando para a sacola que eu carregava.

Com as mãos trêmulas, tirei a bola de dentro da sacola.

“Vamos ver se é boa mesmo”, ele disse, enquanto caminhava de costas, até parar com as mãos na cintura.

Deixei a bola quicar duas vezes e a passei a ele, usando a parte interna do pé. Ele a recebeu, fez uma quantidade de embaixadas que poderia ser de dez, de cem ou de mil e passou de volta para mim. Tentei fazer alguma coisa, mas estava nervoso demais, então só mandei a bola de volta. Ele fez mais dez, cem ou mil embaixadas e meu passou a bola de novo. A sequência se repetiu mais uma vez, e então ele disse:

“Bom, preciso ir, porque se o nosso médico me vê aqui vou ter problemas”.

Ele tirou os óculos escuros do bolso da camisa, fez um sinal de positivo com o polegar em nossa direção e disse:

“Tchau”.

Depois entrou no carro e foi embora.

Quando meu pai conseguiu me tirar do transe em que eu me encontrava já era quase noite, e foi só no hotel, quando estávamos jantando e enquanto meu pai contava a história para minha mãe, que eu consegui voltar a falar. E tudo o que eu consegui dizer naquela noite foi:

“Eu bati bola com o Cruyff!!!”

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