Quando eu tiver 64 anos

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Já faz tempo, foi numa sala da Cultura Inglesa do Méier que ouvi pela primeira vez a letra da canção —  “When I’m Sixty-Four” —  em que os Beatles enumeravam questionamentos sobre a chegada aos 64 anos de idade.

Por: Fernando Molica, compartilhado de Correio da Manhã




na foto: Aos 82 anos, McCartney está on. | Foto: Marcos Hermes/Divulgação

Em primeira pessoa, um narrador pergunta à namorada ou mulher se, naquela idade que consolidaria sua velhice, ela continuaria a lhe mandar cartões de Dia dos Namorados e manteria o hábito de lhe presentear com garrafa de vinho em seu aniversário.

Tudo na canção trata da perspectiva de como seria a vida de alguém bem idoso. A começar pelo ritmo, um foxtrot, que remete às primeiras décadas do século XX. Paul McCartney compõs a melodia ainda na adolescência e escreveu a letra por volta dos 24 anos, em 1966 — ela seria incluída no revolucionário e espetacular disco “Sgt. Pepper”.

Na adolescência, e mesmo quando se tem vinte e poucos anos, é difícil não associar à velhice alguém que é até mais idoso que seus pais. “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”, dizia, mais ou menos naquela época, a canção de Marcos e Paulo Sérgio Valle.

Nem tudo é fantasia nos versos de McCartney, os cabelos vão caindo mesmo e, de um modo geral, os que restam ficam brancos (há os que não abrem mão da coloração asa de graúna, mas a grande maioria cede às determinações da natureza). 

O engraçado e até irônico é que a encantada geração de Beatles, Rolling Stones, Chico Buarque, Caetano Veloso, Ney Matogrosso e de tantos outros foi decisiva para acabar com a imediata associação de idades mais avançadas com a aposentadoria, bisnetos no joelho e com mulher tricotando um suéter perto da lareira.

Quem foi a shows da última turnê de McCartney viu que ele, aos 82 anos, continua mandando muito bem no palco, está on, como declarou. Pode, por hobby, até fazer jardinagem, deve ser capaz de trocar um fusível quando a luz apagar, mas tem energia para muito mais.

Minha geração, a dos que nasceram nos anos 1960, acompanhou mudanças drásticas no comportamento. Ainda era o tempo em que trintões e trintonas eram senhores e senhoras, vestiam-se com sobriedade e discrição. Muitas destas sequer imaginavam a possibilidade de usar biquínis — ainda mais em eventuais, e então consideradas tardias, gravidezes.

Mas esse tal de rock’n’roll foi decisivo para acabar com a velhice precoce. Diferentemente de jovens ídolos de um passado na época ainda muito recente, aqueles cabeludos não quiseram saber de envelhecer; como se caminhassem contra o tempo, não abriram mão das roupas coloridas, do desaforo, da ousadia. Todos pegamos carona com eles.

Mas por que tratar disso agora? É porque daqui a alguns dias farei 64 anos. Não faz muito tempo, eu ironizava a minha idade, dizia que imitaria Aécio Neves e pediria recontagem de votos: se ele considerava a possibilidade de urna eletrônica errar, o que dizer do cartório de Cascadura onde fui registrado? Mas o golpismo bolsonarista me tomou a piada, não foi mais possível brincar com a confiabilidade das tais urnas.

Estou chegando à idade consagrada por McCartney, e, até aqui, tudo bem. Tenho trabalhado e me divertido muito, de certa forma sou até mais jovem que era aos 20 anos. O coração resistiu bem ao Botafogo de 2023 e ao de 2024, provas duras de esforço. 

Não, a vida não começa aos 60, esse negócio de “melhor idade” é cretino e falso, mas envelhecer é a melhor opção que temos. Pouco antes de  completar meio século de vida, Aldir Blanc disse que insistia na juventude. Às vésperas dos 64, eu também (e, querido Macca,  continuo ganhando cartão no Dia dos Namorados e vinhos no aniversário). 

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