Quando o caráter sai pela linha de fundo (ou nem entra em campo)

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Por Washington Luiz de Araújo, jornalista

Clubes não investem em formação de caráter e veem jogadores sair pela porta dos fundos.

Garotos ainda chegam às centenas aos clubes para iniciar uma possível carreira no futebol. Muitos deles abandonam os estudos, pois os clubes não exigem escolaridade e ainda impõem horários de treinos incompatíveis com as aulas. Cultivo amizade com ex-jogadores de futebol. Costumamos conversar sobre  a formação de caráter dos atletas. Os velhos boleiros são calejados e hoje, olhando pelo retrovisor, percebem as besterias que fizeram. Lógico, têm orgulho do que realizaram em campo, mas a maioria gostaria de retificar, se pudesse voltar no tempo, as derrapadas no “extracampo”.




Muitos foram enganados pelos clubes e assinaram contratos ruins para as suas carreiras. Hoje a realidade é outra. Garoto arrebenta num teste, “peneira”, mas o treinador da base diz que ele não foi bem. De toda a forma, pega seu endereço, telefone… No outro dia, o garoto aparece no clube, com empresário. Aí, sim, é aprovado.

Perceberam? O garoto promissor com 11, 12 anos já é procurado por empresários indicados pelos técnicos. De imediato, o clube começa a perder e o atleta também, embora ele só venha perceber isso, na maioria das vezes, quando encerra a carreira.

Empresário tem por função fazer a “mercadoria” girar. Não é bom para os negócios que um jogador fique muito tempo ligado a um clube. Daí vem a falta de formação de caráter. O garoto vai recebendo a mensagem constantemente reiterada de que o bom é mudar de clube. E a agremiação nada faz para contrariar essa linha de pensamento.

No meu Santos, infelizmente, a coisa não tem sido diferente. A despeito de todo o esforço feito para que Neymar ficasse mais tempo no Peixe, ele foi embora, pela porta dos fundos. Explico: quando o Santos disputou o Mundial, em dezembro de 2011, o pai de Neymar já tinha embolsado 10 milhões de euros do clube catalão. O Santos perdeu de quatro, mas a pior derrota para a torcida foi saber, posteriormente, que seu ídolo maior tinha entrado em campo já vendido. Há uma discussão sobre a legalidade ou não do ato; mas, mesmo se a jogada foi legal, foi imoral.

E assim tem acontecido rotineiramente nos clubes brasileiros. Para continuar onde a dor é minha, o caso agora é de Lucas Lima, que chegou desconhecido ao Santos em 2014 e agora, mesmo tendo uma proposta de renovação de contrato com salário de R$ 600 mil reais, ficou caladinho durante quase seis meses, escondendo suas intenções, e o que é pior, o jogo. Não jogou quase nada, contribuiu para enterrar vários resultados positivos e agora sai, também pela porta dos fundos.

E o Santos não ficará com um centavo com a transação que, ao que tudo indica, está bem encaminhada com o Palmeiras. Ah, e com a contribuição do pai do Neymar, que já tem know-how nesse tipo de saída. E temos vários outros exemplos escabrosos, mas fiquemos somente com estes.

Formação de caráter, eis o ponto. Os clubes deveriam investir mais nisso. Tanto quanto investem na formação física e no desenvolvimento técnico dos atletas. Vai chegar uma hora em que vão perceber que jogador com caráter deformado é prejudicial ao clube. Se não perceberam ainda. Logicamente, os clubes deveriam primar ainda pelo caráter de seus dirigentes, treinadores e demais da comissão técnica.

Os dirigentes, sabe-se lá a razão, até engolem quando um jogador “trai” o clube, mas a torcida não esquece. Mais do que nunca, o torcedor tem percebido que o amor à camisa, o suor, a disposição, a fidelidade, tudo isso tem saído, com os jogadores, pela linha de fundo.

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