Quando o fascismo cresce, silenciar é ser cúmplice

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Por Jorge Furtado, Sul 21

Fiquei muitos meses sem escrever por aqui, por excesso de trabalho e por achar que o debate político estava tão alterado que a atitude mais sábia era o silêncio. Esperava que os derrotados das eleições fizessem o mesmo, deixassem passar os primeiros meses do novo governo para cobrar resultados. Meu volume de trabalho não diminuiu, na verdade cresceu, e os derrotados não esperaram nem um dia para subir ainda mais o volume e a grosseria das críticas, muitos pregam em voz alta, sem qualquer pudor, a volta da ditadura militar ou qualquer outro golpe que lhes devolva o poder que perderam nas urnas.




Volto a escrever sobre política porque o crescimento da direita, da intolerância, do fascismo, da ignorância e da homofobia, transforma os calados em cúmplices. A história ensina que os inimigos da democracia se utilizam da frustração e dos anseios legítimos da sociedade, das pessoas de boa fé, para chegar ao poder, e então passam a exercê-lo com tirania, perseguindo minorias, promovendo a intolerância e a violência. E aí é tarde demais para combatê-los pacificamente.

Não é possível ficar quieto quando o congresso é dominados pelo que há de pior na sociedade brasileira, bandidos e falsos pastores, achacadores em nome de Cristo, picaretas envolvidos em todo tipo de falactrua, legislando em causa própria, manobrando votações, chantageando empresários para garantir seu butim, promovendo cultos religiosos no plenário, fomentando a homofobia e a ignorância. O atual congresso brasileiro, comandado por Renan Calheiros e Eduardo Cunha, ambos investigados por uma dúzia de crimes e toda sorte de imoralidades, é uma vergonha para o país.

Não é possível aceitar calado que o ministro Gilmar Mendes, uma única pessoa sem um único voto, por uma manobra rasteira, mantenha engavetado, por mais de um ano, um projeto de mudança da legislação eleitoral já aprovado pela maioria dos juízes, projeto este que, se não impede, dificulta em muito a roubalheira nas eleições e na política. A quase totalidade dos escândalos que entravam a vida nacional e sangram os cofres públicos está relacionada com a doação de empresas aos políticos, que retribuem o favor legislando contra o interesse da maioria da população e superfaturando obras, ambulâncias, remédios. Sem o fim da doação de empresas para políticos a roubalheira nas eleições será eternizada.

Não é possível silenciar quando a presidente Dilma, eleita legitimamente pela maioria da população brasileira para manter e aprofundar os avanços dos governos populares, concede a tal ponto em nome de uma suposta governabilidade que entrega a economia aos banqueiros, a agricultura aos latifundiários do agronegócio e a política aos sanguessugas do PMDB, um partido que é eternamente governo porque sua única convicção é ser eternamente governo. Se eu imaginasse que e Katia Abreu, Levy e Eliseu Padilha poderiam ser ministros de Dilma teria votado em Luciana Genro.

Infelizmente, quem deveria fiscalizar o governo, o legislativo e o judiciário é a imprensa, que tornou-se irrelevante quando abriu mão de fazer jornalismo para fazer oposição partidária. A imprensa brasileira, que sempre foi ferozmente governista, descobriu sua vocação oposicionista quando a Casa Grande perdeu um pouco o seu poder. É constrangedor ver jornalistas ou similares pensando exatamente como seus patrões mandam. Talvez pela profunda crise que o setor atravessa, com jornais e audiências minguando, velhos jornalistas e jovens sedentos de poder e fama se agarrem aos seus empregos com unhas e dentes, repetindo bobagens até a náusea. A verdade não agrada o patrão? Esqueça! O bandido disse que também deu dinheiro aos tucanos? Ignore! O patrão esconde dinheiro na Suíça e sonega fiscais para não pagar impostos? Não é comigo! O mensalão foi criado para eleger o presidente do PSDB? Concentre-se no plágio petista! A acusação contra um petista não faz sentido? O que importa? A antiga imprensa, que já estava seriamente ameaçada por conta da revolução digital, acelerou seu caminho para o fim abrindo mão do princípio básico do jornalismo: a defesa da verdade factual. Quando a história da antiga imprensa brasileira for contada descobriremos que ela não morreu, suicidou-se.

Você pode achar esta conversa de política uma chatice, e é mesmo. O problema é que os que não gostam de política são governados por aqueles que gostam. Ontem, pela segunda vez, imbecis agrediram o ex-ministro Mantega num restaurante. Outro dia foi num avião, um jornalista – sozinho – que lia uma revista, foi atacado por um punhado de trogloditas. Jô Soares foi ameaçado de morte por entrevistar a presidente da república, eleita democraticamente. Os sinais de intolerância crescem, tornam-se mais frequentes e mais violentos, é de se esperar que a ignorância dos mal informados covardes que andam em bando logo produza vítimas. Silenciar é ser cúmplice deste fascismo crescente.

Votei no Lula e na Dilma na esperança de promover a inserção social, a melhor distribuição de renda, para garantir a geração de empregos, o acesso dos filhos dos trabalhadores às universidades, na esperança de melhorar a vida dos mais pobres, para ver a corrupção ser investigada e punida. Tudo isso aconteceu, menos do que eu esperava, porém mais do que nunca. 40 milhões de pessoas passaram a ter uma vida mais digna, a fome foi praticamente erradicada, os níveis de emprego se mantém altos, milhares de jovens passaram a ter acesso ao ensino superior, a mortalidade infantil no Brasil caiu pela metade.

O combate à corrupção também avançou muito. Uma lei promulgada por Dilma permite que hoje os corruptores também sejam punidos. A Polícia Federal investiga, o Procurador Geral da República não engaveta as denúncias e vemos, pela primeira vez, empresários, políticos e banqueiros graúdos serem investigados e presos. É bom lembrar (já que ninguém lembra) que Renan Calheiros, que hoje é investigado pela Polícia Federal, no governo de Fernando Henrique era o Ministro da Justiça e, portanto, chefe da Polícia Federal! E foi neste momento (segundo o Ministério Público e segundo vários bandidos delatores), no final do primeiro mandado de FHC, que a quadrilha de Youssef começou a roubar a Petrobrás. Mas também é fato que a continuidade no poder atraiu toda espécie de picaretas que, somados aos picaretas já existentes no PT, sugam os recursos públicos que faltam para os hospitais, para a escolas, para a segurança pública. E os avanços do governo popular começam a ser comprometidos.

Felizmente – talvez pela cretinice evidente dos seus apoiadores na mídia – a direita brasileira tem perdido eleições com agradável regularidade, foram quatro, em dois turnos, nos últimos 13 anos. Oito vezes o povo brasileiro foi às urnas dizer não à intolerância, ao egoísmo e a hipocrisia. Espero que eles percam outra vez em 2018, mas se até lá o PT não se livrar desta direita truculenta, homofóbica, picareta e ignorante, pode até ganhar as eleições, mas não terá mais o meu voto.

Afinal, até quando vamos aceitar calados as agressões dos derrotados nas urnas, uma elite iletrada, egoísta, ignorante e preconceituosa, que ficou 500 no poder e transformou o Brasil no país mais desigual do planeta?

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Jorge Furtado é um cineasta brasileiro. 

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