Possibilidade de praticar um jornalismo comprometido com a verdade e o afeto, ambos políticos e interdependentes, resulta numa entrega muito necessária para a sociedade bombardeada de fake news
Por Andréia Coutinho Louback, compartilhado de Projeto Colabora
Completei um ano como colunista do Projeto #Colabora. Tenho muito respeito e carinho por esse marco afetivo, porque me permitiu navegar por um imenso universo de narrativas de denúncia e cura. Quando revisito meus últimos dezesseis textos publicados nesse lastro de tempo-espaço, percebo que passei por violentas metamorfoses individuais juntamente com o momento coletivo e político do Brasil. Entre idas e vindas da escrita constante, houve um tempo em que me desencontrei das palavras, da linearidade dos argumentos, e precisei de pausas. Eu, caçadora de mim, tenho a convicção de que — por muitas vezes — foi o jornalismo que me salvou.
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E, não só a mim. Salvou todos e todas nós. Em uma breve radiografia social do Brasil, somos um país de ininterruptas más notícias. Logo, a possibilidade de praticar um jornalismo comprometido com a verdade e o afeto, ambos políticos e interdependentes, resulta numa entrega muito necessária para a sociedade bombardeada de fake news e no qual a retenção de notícias é uma entrave competitiva.
Somos um país de Bolsonaro e também de Marielle Franco; Ricardo Salles e também Chico Mendes; Léo Dias e também Tim Lopes. Antagonismos e protagonismos são ameaçados por inverdades versus credibilidade. Há lutas políticas que nos custam a vida, por isso celebro a possibilidade de trabalhar com denúncia e afetos – e ainda estar viva. O dia em que nossas existências e verdades não puderem coexistir, certamente será uma morte lenta e gradual, assim como o jornalismo segue em luta para resistir.
Não à toa, poucos dias atrás enviei um curioso edital para uma amiga jornalista. Mandei o link de um Fundo de Emergência da International Women’s Media Foundation, que oferece pequenos subsídios a jornalistas negras para custear cuidados médicos e psicológicos devido a incidentes, ameaças e crises causadas pelo trabalho jornalístico. O fundo também oferece suporte jurídico para enfrentar ameaças de prisão ou censura, além de outros caminhos e formas de apoio.
Embora sejam doações pequenas, é bom saber que existe uma instituição filantrópica dedicada à saúde mental de mulheres jornalistas negras. Uma vez que não apenas denunciamos opressões e injustiças, as vivências durante o exercício do jornalismo também ameaçam nossa sanidade. É bom ver uma iniciativa que joga uma boia na tentativa de nos “salvar” mais um pouco.
Nunca nos esqueçamos que existem povos, grupos e populações que a democracia não protegeu, os quais direitos foram negados e chacinas foram autorizadas. E na disputa de narrativas sobre quem reporta o que, o jornalismo independente nos salvou de parcialidades que reforçam injustiças e invisibilizam genocídios. Protege-nos da passividade dos veículos tradicionalmente covardes. Um sentimento que nós, jornalistas e comunicadores, sentimos nos últimos quatro anos de degradação democrática no Brasil. Afinal, a radiografia do Brasil de 2023 não está escrita na Constituição Federal de 1988.
Quando repito que o jornalismo me salvou, reforço, como artista da palavra, o meu compromisso com a redução das desigualdades como um passo crucial para o avanço sistêmico do país. Me salvou porque, em minha escolha editorial, optei por narrativas de ancestralidade e realidades marginalizadas para problematizar e contrapor os dispositivos de poder que anestesiam nossos olhares sobre os muitos Brasis que existem no Brasil. E, como bem aprendi com Mãe Stella: “o que a gente não registra, o vento leva”. Assim como, enfim, igualmente aprendi com bell hooks que “temos que produzir mais trabalhos escritos e testemunhos orais que documentem as maneiras pelas quais as barreiras são derrubadas, as coalizões se formam e a solidariedade é partilhada”. Só por hoje — por mim, por nós e por um jornalismo que sobrevive.