Quando tomei café com Gabriel García Márquez

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Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor –

Eu estava na Cidade do México, batendo perna no bairro de Polanco, no começo dos anos 2000, sozinho, pronto para me sentar em qualquer bar e pedir uma tequila e talvez uma Tecate, por que não?




A revista da qual eu era repórter havia me despachado para o México com a missão de fazer uma reportagem sobre uma barragem que estava sendo construída no rio Fuerte. Antes do regresso ao Brasil sobrou um dia livre. Na manhã seguinte, avião para São Paulo.

No meio da caminhada resolvi entrar numa beleza de livraria chamada El Pendulo e foi ali mesmo que resolvi tomar a minha tequila, no bar da casa. Sentado à pequena mesa, vi no mural o anúncio de uma palestra que Gabriel García Márquez faria naquele mesmo dia em um centro de eventos que, segundo o garçom me esclareceu, ficava não muito distante dali.

Gabriel García Márquez.

Permita-me informar: ele foi o sujeito que me fez entender que eu jamais seria realmente feliz fazendo outra coisa que não escrever.

Peguei as instruções com o garçom, que se chamava Martín e era torcedor fanático do Cruz Azul, e me mandei.

Cheguei ao centro de eventos poucos minutos depois de ser anunciada a lotação completa do lugar. Sem chance de ver ao vivo o meu maior herói literário na cidade que ele adotou. O que fazer? Táxi de volta para o hotel.

No dia seguinte, no aeroporto, já com o check-in feito, resolvi tomar um café. Escolhi um lugar que me pareceu menos cheio e que oferecia aquele tipo de aconchego que muito se quer encontrar quando se está fora de casa, sobretudo em aeroportos.

O garçom me acompanhou até uma mesa, num canto, e foi somente ao me sentar que percebi os três ocupantes numa mesa próxima á minha, a única outra mesa ocupada naquele momento, dois homens e uma mulher, e foi com o coração já dando coices no peito que vi que García Márquez era uma das pessoas naquela mesa.

O garçom – e desse não me lembro do nome, porque eu já não estava em condições psicológicas de perguntar – trouxe meu café.

Eu me perguntei: “O que eu faço com esta oportunidade que estou tendo neste exato momento?”

Eu estava petrificado.

Então o sistema de som anunciou o meu voo para São Paulo.

Pedi a conta, o garçom a trouxe imediatamente, porque já a tinha pronta.

Eu olhava para a mesa em que estava aquele que para mim era o maior de todos os escritores.

Abri minha pasta e tirei dela o exemplar de “Doze Contos Peregrinos”, com tradução de Eric Nepomuceno, que sempre me acompanhava em todas as viagens, independentemente do outro livro que eu estivesse lendo.

Eu estava decidido a me levantar, ir até a mesa dele e pedir um autógrafo no livro. Eu estava na iminência de fazer isso quando o sistema de som anunciou um voo para Bogotá. Gabo e seus dois acompanhantes então começaram a se preparar para deixar o lugar. Eu não sabia o que fazer. E foi então que ele, assim, de repente, olhou em minha direção, e talvez notando a estupefação na minha cara, ergueu sua xícara de café e a moveu discretamente em minha direção. Ergui a minha xícara e retribuí o gesto, meu coração batendo como um bumbo tocado por um urso pardo epiléptico.

Os três se levantaram e começaram a recolher seus pertences. Eles teriam que passar pela minha mesa para ir embora, e foram se aproximando e vi o grande Gabo chegar mais perto e mais perto e mais perto, e quando ele estava bem perto da minha mesa eu já não conseguia mais respirar e ao passar por mim ele colocou a mão em meu ombro e disse em seu sotaque de Aracataca:

“Fique tranquilo, os adjetivos foram feitos para ser usados”.

Disse isso e se foi, em seu passo lento de caribenho senhor da sua pressa.

Com os pensamentos se sobrepondo em uma festa caótica, ouvi o sistema de som fazer a última chamada para o meu voo.

Guardei meu livro com mãos trêmulas, coloquei dentro dele a fatura do meu café e comecei a caminhar em direção ao portão de embarque – o portão que me levaria à minha vida de sempre, mas que, no entanto, jamais voltaria a ser a mesma.

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