Quanto valia e quanto vale o trabalho em música?

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Compartilhado de IMMuB  – 

Desde quando me tornei um profissional da música, aos 17 anos de idade, quis saber como era remuneração de um profissional de ponta. Qual seria a ordem de grandeza? 

Um dia, conversando com o maestro Radamés Gnattali, ele contava do tempo em que começou a escrever arranjos para Victor e eu perguntei quanto pagavam por arranjo, naqueles já longínquos anos 1930. Achei que ele ia dizer que não lembrava, que o dinheiro tinha mudado muitas vezes, mas fui surpreendido. Radamés foi preciso: “o dinheiro que dava para comprar um par de sapatos de cromo alemão”. Fiquei impactado, pois sabia que meu avô só comprava 1 par desses sapatos por ano. Animado com a resposta prossegui: e os músicos? Ele deu um meio sorriso e mandou: “os músicos ganhavam uma merda, só dava pra comprar tamanco”.

Em plena lua de mel, em fins de janeiro de 1945, Waldir Azevedo foi chamado para fazer um teste na Rádio Clube do Brasil, pois precisavam de um cavaquinho. Mesmo não sendo ainda um especialista no instrumento, Waldir não poderia dispensar a oportunidade. O salário era o dobro do que ganhava na Light e tinha até carteira assinada. Deixou a recém-esposa Olinda na “lua de mel” e foi aprovado sem dificuldades.




Foi ali, na Rádio Clube, que Waldir começou a mostrar suas composições e uma delas, um choro ligeiro, chamou logo a atenção. Lançado em maio de 1949, “Brasileirinho” começou imediatamente a tocar no rádio e a vender discos. Meses depois, Waldir teve a agradável surpresa de receber 240 contos réis (algo em torno de U$ 16.000,00). Ao receber tantas notas, embrulhou tudo num jornal, pegou um táxi e foi para casa. Jogou a bolada em cima da mesa e falou para Olinda:

_ Eu não te disse que um dia eu teria nas mãos 200 contos de réis? Pois está aí! O que é que a gente vai fazer?

Compraram uma casa antiga e precisando de reformas no Méier, um apartamento no Grajaú e um carro zero quilômetro.

Alguns anos depois, Garoto Chiquinho do Acordeom compraram bons apartamentos no mais valorizado bairro da zona sul carioca na época, Copacabana, apenas com os direitos de vendagem de “São Paulo Quatrocentão”. Para o outro lado do disco 78 rpm, compuseram na véspera da gravação o “Baião do rouxinol”, para, nas palavras de Garoto Chiquinho: “não dar carona pra ninguém”.

Durante o período de maior regulação profissional do trabalho em música (1970-1995), a tabela de cachês do Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro estabelecia um valor para o período de gravação (o primeiro de 1 hora e os demais de 45 minutos) que variava entre 50 e 100 dólares. Nada mal. Fora isso, tinha o chamado “pega ratão”, discos de produção modesta que pagavam um valor fixo por todas as faixas, independente do tempo.

Para efeito de comparação, sem apontar os nomes envolvidos por motivos éticos, pude sentir na pele a desvalorização do trabalho em música. Participei tocando em 2 DVDs de samba, com o mesmo número de ensaios e dias de gravação, um em 2003, outro em 2013. Pois bem, o cachê do primeiro foi de R$ 7.000,00 e do segundo R$ 3.000,00. Se tivesse seguido a inflação desses dez anos, o valor deveria girar em torno de R$ 10.500,00, ou seja, em dez anos, o valor de um mesmo trabalho musical caiu a menos de um terço.

Embora reconheça que a oferta de mão de obra musical qualificada se ampliou bastante na última década, não avalio que essa questão seja resultado de um desequilíbrio entre oferta e demanda. Algo de muito grave tem acontecido e urge falarmos do problema.

Henrique Cazes

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