Quão bem posicionado está o Brasil na corrida por uma vacina?

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Compartilhado de DW Brasil – 

Especialistas ouvidos pela DW Brasil falam sobre as perspectivas para uma imunização contra a covid-19 e os possíveis gargalos a serem enfrentados pelo país.

Mãos com luvas azuis seguram vacina
“Está muito claro que em 2021 não terá vacinação em massa no Brasil”, diz especialista

Quando foi declarada a pandemia de covid-19, começou uma corrida global sem precedentes em busca de uma vacina que pudesse resolver a crise de saúde que praticamente parou o mundo. Em pouco tempo, estimativas otimistas e promessas de autoridades passaram a ser publicadas, criando expectativas na população.

Enquanto há políticos que chegaram a anunciar o início da vacinação ainda em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou acreditar que grande parte da população terá de aguardar até 2022 para ser vacinada.




A DW Brasil ouviu especialistas para entender a real situação do Brasil nessa corrida pelo imunizante.

“Quem marca uma data certa para iniciar vacinação, em um período como o que estamos agora, ou não entende do processo ou está de má-fé”, diz Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas. “No Brasil, as promessas parecem tão otimistas porque estão sendo feitas por políticos, e não por cientistas.”

“É um assunto geralmente abordado de forma cautelosa por agências de saúde e de forma populista pelos governos”, comenta Jean Pierre Shatzmann Peron, pesquisador da Plataforma Científica Pasteur e professor de imunologia da Universidade de São Paulo.

Atualmente há dez vacinas no mundo, segundo a OMS, na chamada fase 3 – a mais avançada. Destas, duas firmaram parcerias técnicas com o Brasil: a chinesa Sinovac, com o Instituto Butantan, e a inglesa AstraZeneca, com a Fundação Oswaldo Cruz.

As duas estão adiantadas, mas, como enfatiza Garrett, nada garante que “cruzarão a linha de chegada na frente ou que conseguirão cruzar a linha de chegada”. “Isso pode acontecer. O processo de uma vacina é assim, é um investimento de risco. É caro por várias razões, e uma é esta”, ressalta.

Além da vacina chinesa da Sinovac e da de Oxford, receberam autorização e inciaram testes com voluntários no Brasil imunizantes contra a covid-19 desenvolvidos pela Janssen, unidade farmacêutica da Johnson & Johnson, e pela empresa BioNTech, da Alemanha, em parceria com a Pfizer, dos Estados Unidos.

Além disso, o Brasil tornou-se signatário de uma inciativa internacional capitaneada pela OMS para acelerar o desenvolvimento de uma vacina. Para o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, em termos de articulação, portanto, o país está se posicionando relativamente bem. O gargalo estaria na quantidade.

“Não teremos vacina para toda a população num primeiro momento”, afirma Kfouri. “Está muito claro que em 2021 não terá vacinação em massa no Brasil [contra covid-19]. Talvez em 2022”, concorda Ricardo Gazzinelli, presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia.

A importância dos testes

Os especialistas ouvidos pela DW Brasil explicam que em casos de urgência como uma pandemia é possível aprovar uma vacina sem a conclusão da fase 3 – com acompanhamentos pré-determinados ao longo do estágio, desde que os resultados sejam altamente positivos. Mas há receio tanto de efeitos colaterais que possam surgir após alguns meses como quanto à possibilidade de a eficácia de imunização diminuir com o tempo.

“Pessoalmente, acredito que um teste clínico da fase 3 não pode ser feito em apenas quatro meses. Tem de ser com no mínimo 10, 12 meses. Porque uma eficácia pode ser de 50% a 60% em quatro meses e cair para bem abaixo disso. Mas tem pressão de alguns políticos”, aponta Gazzinelli.

“Exige-se um tempo mínimo de observação, e atualmente este tempo mínimo está sendo discutido internacionalmente”, completa Jorge Elias Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor).

Essa pressão deve fazer até que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprove um imunizante com eficácia inferior aos 70% que são praxe. O que também, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, pode ser um tiro no pé: em um contexto já dominado por negacionistas, a baixa eficácia pode alimentar discursos antivacina.

Há ainda o fator do efeito na população como um todo. Quando uma parcela considerável está vacinada, o vírus não consegue se disseminar. Mas quanto mais baixa a eficácia de uma vacina, maior tem de ser essa parcela. De acordo com cálculos da epidemiologista Garrett, uma vacina com 75% de eficácia precisaria ser inoculada em 66% da população para que tal resultado fosse atingido. “Isso é muito”, diz.

Produção e distribuição

Mas quando uma – ou, nos melhores cenários, mais de uma – vacina finalmente for considerada segura e eficaz, o problema passa a ser a produção, a distribuição e a aplicação em massa.

Kalil não acredita que o Brasil, em um primeiro momento, irá produzir as vacinas porque “a transferência tecnológica para a produção da mesma iria levar muito tempo”. Segundo ele, o que deve ocorrer é a compra a granel e o trabalho de instituições como o Butantan para colocar em frascos.

“Por que o Brasil não está à frente com um candidato próprio de vacina? Na verdade essa pergunta é muito importante para a gente, porque o país tem capacidade científica muito grande. O problema é que a produção [científica] ainda é pequena para o tamanho do país, e isso é assim por causa dos baixos investimentos em pesquisa”, diz Carlos Rodrigo Zárate-Bladés, diretor do Laboratório de Imunorregulação da Universidade Federal de Santa Catarina.

Assim, deve haver um gargalo na compra desses imunizantes, quando aprovados. Com uma população de 210 milhões de habitantes e considerando que as fórmulas mais avançadas preveem duas doses de vacinação, fica matematicamente difícil garantir que uma proporção considerável dos brasileiros seja imunizada de forma imediata.

Há ainda a perda natural do processo – segundo os especialistas, de 20% a 30% do total acabam perdidos nos frascos. Kalil diz que a escolha vai ter de ser “entre os que têm mais probabilidade de morrer e os que estão mais expostos à doença”, ou seja, os idosos e aqueles com comorbidades ou os médicos da linha de frente e aqueles de serviços essenciais que normalmente têm contatos com muitas pessoas – como motoristas de transporte público e agentes de segurança.

Por outro lado, o Brasil tem uma ótima experiência em campanhas de vacinação e uma rede eficiente de distribuição e aplicação em postos de saúde – estruturas essas que poderiam ser adaptadas para os trabalhos de imunização contra a covid-19. O país conta com 35 mil salas de vacinação e tem um calendário vacinal abrangente em relação a outras partes do mundo.

Fake news

Enquanto a vacina não vem, Zárate-Bladés acredita que um bom preparativo seria combater um problema adicional: a “chuva de desinformação absolutamente irresponsável e sem nenhuma base científica em relação a vacinas”.

“Em relação a duas que estão em testes no Brasil, de uma eles dizem que se trata de um intento comunista para dominar o mundo, e a outra que é uma tentativa de Bill Gates de tornar todo mundo chips andantes”, comenta. “São aberrações ditas até por autoridades. Acho que esse é o gargalo fundamental que a gente vai enfrentar e já estamos enfrentando.”

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