Quão prejudicial é o aumento do tempo de internação aos jovens?

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Por Eliana Cristina Fernandes de Miranda, advogada, Justificando – 
A repercussão dada à PEC nº 171/93, que trata da redução da menoridade penal para 16 anos, alcançou patamares largos. Argumentos voltados à segurança pública conquistam àqueles que estão fatigados pela violência de uma forma geral. Aos que são contra, o forte debate da política pela educação de crianças e adolescentes, além do contexto psicológico e da condição de pessoa em formação.
Esquece-se, ou melhor, desconhece-se que, concomitantemente, tramita pelo Congresso Nacional Projeto de Lei nº 333/2015, de autoria do Senador José Serra (PSDB-SP) que, em suma, modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente, aumentando o tempo de internação de adolescentes de 3 (três) para 10 (dez) anos, e altera a idade da liberação compulsória de 21 para 26 anos, quando, dentre outras hipóteses, estiver inserido em “Regime Especial de atendimento” aplicado aos maiores de 18 anos (artigos 112, VIII e 121, §3º e §5º). [1]
Para uns, esta seria uma proposição mais benéfica do que a efetiva redução da maioridade penal, eis que adolescentes não se sujeitariam ao Regime Penitenciário Comum, mas sim à uma extensão do que, de acordo com o próprio Estatuto, deveria ser medida socioeducativa. Para outros, não passa de mais uma “pedalada” legislativa.Questiona-se, então, a eficácia de apreender por tempo tão elevado seres em formação. As consequências estão escancaradas no próprio texto do projeto legislativo: entrarão adolescentes, até 18 anos, e sairão adultos, com seus 26 anos.

E o quão prejudicial pode ser isso?




A mente do ser humano púbere (de 14 a 21 anos) exterioriza o que os psicanalistas chamam de “Crise Psíquica da Adolescência”, ou, “Crise de Identidade”, como assim descreve o psicólogo Erik Erikson, em seu estudo intitulado “Identidade, juventude e crise”.[2]A transição da infância para a vida adulta sempre será carregada de conflitos externos e internos quanto ao modo de ser, de pensar e de agir.

Assim sendo, a forma em que o adolescente se coloca perante o mundo dependerá, sem exceção, de como se sente face a ele, e como este mundo o enxerga. Considerá-lo ser humano em desenvolvimento faz com que ele assim se sinta e, ao ponderar comportamentos, acaba por caminhar ao encontro do que se considera moralmente correto e coerente com o padrão médio. Este é o cerne do Estatuto da Criança e do Adolescente, hoje conceituado e aplaudido mundialmente.

Acontece que ao ser estendida a internação não só por toda a adolescência, mas adentrando também por anos da vida adulta, ainda que apenas para parcela das infrações, transmutaria o que antes era medida de educação social.

Passaríamos a ter um adulto, etária e psicologicamente, cumprindo internação, que de forma original é medida destinada à adolescentes, em toda sua extensão. O sujeito, supostamente em melhores condições físicas e estruturais que seus companheiros de idade, seria prejudicado, o que acarretaria em medida mais severa do que comumente é aplicada no sistema penal, não só temporalmente, mas também quanto aos benefícios da restrição a ele aplicada.

Isto porque dependeria de reavaliação psicológica a cada 6 meses para mensuração do quantum de reprimenda deveria ser cumprida (não há mínimo e máximo pré-determinado como no Código Penal), além, por exemplo, da falta de previsão legal para benefícios como livramento condicional, o que caberia à adultos de 21 a 26 anos no regime comum prisional.

E aos adolescentes, que mais deveriam receber proteção ante sua fragilidade, talvez quando liberados (com seus 26 anos) lhes falte maturidade para se colocar no mundo como sujeito adulto. Tratados como adolescentes mesmo quando suas escolhas psicológicas já deveriam ter tomado forma, acabam transformando o sistema em algo psicologicamente instável e inviável.

Mas não só os parâmetros psicológicos são afetados no contexto do Projeto de Lei então tratado. Os problemas podem ser vistos de forma externa: a estrutura prevista no ECA, atualmente, pouco é aplicada.

A falta de profissionais (assistentes sociais e psicólogos) e de espaço físico é a principal razão pela qual pode ser considerado o sistema deficiente. A superficial avaliação semestral do internado, o meio carente de ensino, as oficinas debilitadas de aprendizagem, tudo leva a crer que um sistema falho se tornará ainda pior àqueles que realmente precisam da máxima atenção. A estrutura que deveria cuidar de crianças e adolescentes, passaria a cuidar também de adultos sem implementação de qualquer política pública que auxiliasse a gestão deste sistema, e o que já é deficiente, entraria praticamente em óbito.

E, em meio a tantos debates, razões preliminarmente enumeradas levam a crer pela incoerência do Projeto de Lei aqui tratado. Devemos, assim, voltar nossa atenção não só para as pautas mais populares, mas também, e justamente neste momento, levar em consideração, de forma crítica e embasada, as alterações legislativas mascaradas, mas de importância tão grande ou até mesmo superior ao que está escancarado em nossas vistas.

Eliana Cristina Fernandes de Miranda é Advogada, especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro da Comissão de Direito Penal Econômico – OAB/SP.

REFERÊNCIAS
[1] PL 333/2015: “Art. 112, VIII – internação em estabelecimento educacional com maior contenção em Regime Especial de Atendimento, após os dezoito anos” e “Art. 121, §3º O Período máximo de internação será de três anos, salvo no Regime Especial de Atendimento, em que o período máximo de internação será de até dez anos. §5º A liberação será compulsória aos 21 anos, salvo se o adolescente for: I – reincidente em medida de internação e tiver cometido alguma das infrações previstas no inciso I do §3º do art. 122, ou II – inserido em Regime Especial de Atendimento”
[2] ERIKSON, E. H. Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro, 1972

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