Por José Antonio Costeira –
Na minha infância era comum, após alguma malcriação, mamãe me colocar no quarto escuro: “para pensar”. Eu era o que se poderia chamar juridicamente de réu reincidente, cometia traquinagem após traquinagem depois do trânsito em julgado. A culpa, segundo mamãe, era das “más companhias”. Depois, essa figura jurídica saiu de moda lá em casa e no Brasil também. Tenho dúvidas se eu e o país conseguiremos nos corrigir. Ontem, o inominável que saiu das urnas para a Presidência disse aos jornais que iria censurar a prova do Enem.
Mamãe me ligou furiosa com a notícia. Como eu não votei no Coiso, só me resta concluir que muita gente escolheu más companhias. Mamãe me disse que a explicação está nos livros. Fui então ao Sérgio Buarque de Holanda (antes que alguém me aponte o dedo, já adianto que ele não era comunista) e li que em 1937, com a ditadura Vargas e a criação DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), os vermelhos, judeus e outras minorias foram perseguidos e presos. A imprensa foi censurada. Nas escolas, goela abaixo dos professores, produziram-se cartilhas onde entortaram a história do Brasil e Vargas virou salvador da pátria. Saímos dessa em 1945.
Em 1965 eu já estava na área, e minha pior traquinagem ocorreu quando eu e um amigo capturamos uma cobra verde em um córrego da Vila Madalena (havia córregos na Vila Madalena!) e a escondemos atrás do vaso sanitário de casa. No dia seguinte fui colocado de novo “para pensar”. Olha aí as más companhias! Mas, elas por elas, desde o golpe militar de 1964 o Brasil estava em companhias bem piores do que as minhas.
Voltei aos livros para me certificar. Estavam lá de novo as traquinagens e as más companhias. Fucei na estante e achei a obra “O golpe na educação”, dos professores Luiz Antônio Cunha e Moacyr de Góes. Diz lá que durante a ditadura militar, em fevereiro de 1969, no governo de Emílio Garrastazu Médici – parteiro do DOI-Codi, que seria comandado pelo coronel Brilhante Ustra, herói do Coiso – baixou um tal decreto-lei 477.
O decreto-lei dizia ser “infração disciplinar” professor, aluno ou o funcionário de escola pública ou privada fazer greve, participar de movimentos sociais, movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou distribuir material subversivo e o escambau. Vai lá saber o que era subversivo! Se o cara fosse professor ou funcionário, seria demitido e afastado de qualquer escola por cinco anos; se fosse estudante, seria expulso e proibido de se matricular em qualquer outra escola por três anos. “A denúncia de professores às comissões de investigação do governo passou a ser um instrumento a mais de política universitária”, informou Cunha no livro.
Mas aí vieram as lutas pela democracia, a morte do Herzog, as greves do ABC, o Lula e a anistia que acabou jogando a sujeira pra debaixo do tapete. Torturador e torturado era tudo a mesma coisa. Ontem mesmo, no Chile, foram presos 11 miliares por crimes durante a ditadura do Pinochet (1973-1990). Mas tudo bem, nós tivemos uma eleição atrás da outra. Todo mundo comprou carro, geladeira e TV tela plana. Andou de avião e foi pra universidade…
Aí veio o golpe, o Coiso, o ódio, a facada e a tal “Escola sem Partido”, juntando tudo num saco: censura, apologia à delação de professor, perseguição, prisão, preconceito, invasão de escolas… A gente não se tocou, mas continuávamos andando em más companhias. “Não foi culpa minha, nem sua”, você fala. Mas minha mãe e a sua cansaram de nos avisar! Mais quatro anos no quarto escuro?