Que a Argentina não passe pelo sofrimento que passamos

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Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, do Facebook

Antes, o jogo ainda não foi jogado na eleição argentina. Faltam dois meses para o primeiro turno e a Argentina é, mais do que qualquer outro, um pais imprevisível politicamente. Mas os resultados das primárias do domingo trouxeram à tona alguns dados: não há governo que consiga ser popular com uma inflação de 115%, e nisso o peronismo do presidente Alberto Fernandez foi um desastre. Mesmo assim, o ministro da Economia que comanda a nau desgovernada, Sérgio Massa, ficou a apenas um ponto percentual do conglomerado da direita tradicional, se somar aos votos dados à esquerda peronista.




A erosão do voto peronista e da direita institucional correu para o lado do ultradireitista Javier Milei, o grande vencedor do esquenta para o pleito de outubro.

Milei é uma espécie de Bolsonaro que usa talher para comer, mas não tem vínculos com militares, de resto hoje felizmente ausentes da cena política do pais vizinho. É um maluco, com pendor esotérico que mistura maluquices como a defesa da permissão para comercialização de órgãos do corpo humano com promessas como dolarização do pais, fim do Banco Central, da universidade pública e outras barbaridades.

Não quer o Estado Mínimo, mas sim o fim do Estado. Pois esse cidadão teve 30%,dos votos em pais que já viveu, do meio para o fim do século passado, as agruras de ditaduras militares, a última com um pavoroso balanço de 30 mil mortos ou desaparecidos.

Se Milei, ao fim e ao cabo, vencer, não é preciso ser pitonisa para garantir sangrentos conflitos de rua quando anunciar o fim de vários direitos, trabalhistas e previdenciários incluídos aí. Embora muito longe do poder de mobilização que teve no passado, o sindicalismo argentino ainda tem alguma força, superior, por exemplo, ao brasileiro.

Essa miscelânea rara que atende por peronismo talvez tenha entrado na reta final da sua falta de coesão. O movimento abriga, como sempre, correntes quase de esquerda revolucionária até grupos claramente de direita. O tempo passa e ninguém sabe hoje o que é o peronismo.

Cristina Kirchner, a ex-presidente que ainda hoje reúne de estimados 20 a 25% de apoio entre os eleitores argentinos, é alvo de perseguição intermitente do Judiciário da Argentina e dos grandes meios de comunicação de lá. Participou muito pouco da campanha de Massa.

Aliás, quem acompanha a mídia hegemônica da Argentina concordará que a caça a Lula aqui parece brincadeira de criança perto do que ocorre em Buenos Aires. É pancada de Clarin e La Nacion, e suas TVS, 29 horas por dia. O estilo Jovem Pan é consagrado na Argentina.

Resquício do passado exuberante de pais rico e civilizado, a Argentina tem índices de violência incomparavelmente inferiores ao nosso. Por isso, causou comoção, na semana final da campanha primária, o assassinato da menina Morena, de 11 anos, o que pode ter influenciado o voto em um ignorante de extrema-direita como Milei, defensor de armas para o cidadão comum. A conferir.

Resumindo, a excelente votação da extrema-direita só é surpresa por ter acontecido num pais até então considerado politizado e que tem na memória mais recente o horror de uma ditadura de direita. Mas não é fato isolado: no Brasil e no Chile, Lula e Boric quase foram derrotados por fascistas, para ficar só nós exemplos próximos.

Que os argentinos não passem pelo sofrimento que passamos nos quatro anos do genocida no poder. Se bem que lá, reza a tradição, Milei não terminaria um eventual mandato.

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