Por Tereza Cruvinel, Brasil 247 –
Eles eram 40 ou 50 e podem não constituir um movimento organizado, mas isso não suprime a gravidade do fato. As cenas da invasão da plenário da Câmara por exaltados de extrema direita, que encarapitados sobre o platô da Mesa Diretora gritavam por “um general aqui”, falam de um país surtado, desnorteado, que nada aprendeu com os 21 anos de ditadura militar. O ministro da Defesa Raul Jungmann acerta ao pedir uma punição exemplar para este ato que representa um crime contra o Estado Democrático de Direito mas discordo da primeira parte de sua avaliação: “É um fato que representa um total descompasso com o clima democrático e com o papel constitucional das Forças Armadas”, disse o ministro.
A Constituição é clara quanto ao papel dos militares e eles têm sido, até aqui, irrepreensíveis em sua observância, mantendo-se distantes do caldeirão político, afora a infiltração mal esclarecida de um oficial do Exército entre manifestantes paulistas. Mas com o “clima democrático”, não há descompasso. Os exaltados que invadiram o plenário são o subproduto do golpe e o resultado das doses maciças de veneno destiladas pelos alimentadores da crise que o propiciou. Se as elites políticas puderam arranhar a Constituição para derrubar uma presidente eleita e entronizar um governo sem voto, os intoxicados se sentem agora no direito de invadir uma casa do Congresso, pedir a intervenção militar e um general no plenário, substituindo o que não honram a vontade popular.
Os vivas a Sergio Moro, no início da invasão, reiteram que o combate à corrupção, instrumentalizado para derrubar o governo petista e desmoralizar a esquerda, transformou-se no combustível da extrema direita, dos intolerantes, dos autoritários, dos que renegam a democracia. Fatos como o de ontem mostram que o país esqueceu as lições da ditadura, ou não aprendeu nada com todos os sofrimentos que ela nos impôs. Não cultuamos a memória e a verdade o suficiente para comprometer as novas gerações com o legado da democracia. O Brasil, diferentemente do países vizinhos que enfrentaram ditaduras – e até por conta de sua transição pactuada e conciliadora – descuidou da educação política, não produziu vacinas democráticas, não puniu os criminosos da ditadura e aí está o resultado. Há gente pedindo novamente que o cassetete substitua o voto, e depois disso vem sempre a tortura, a censura, a força bruta, o cálice.
A esquerda, que por ter pegado em armas é sempre acusada de não ter lutado pela democracia, mas para impor outro tipo de ditadura, pagou caro e aprendeu muito mais, tornou-se mais democrática. Os liberais, os conservadores e a direita, não. Na primeira crise política grave após a redemocratização, não hesitaram em torcer as leis para forjar um golpe com nome de impeachment. Aí está o resultado.
Jugmann pediu punição exemplar mas li que, depois de prestaram depoimento à Polícia Federal, foram todos liberados. Li também que a polícia legislativa constatou que havia pessoas armadas no plenário. Lembro o artigo quinto da Constituição, que tem um inciso claro sobre insurgências desta gravidade:
“XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Sem punição exemplar, sabotar a democracia vai se tornar corriqueiro. E mais exemplares que estejam sendo os militares, água dura em pedra dura, uma hora fura.