Que trafica um professor?, por Paulo Ferrareze Filho

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Necessário sublinhar que traficantes são uma espécie de comerciante, que professores são uma espécie de operário e que Eduardo é uma espécie de fascista.

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Reprodução Internet

por Paulo Ferrareze Filho

O último relatório da OCDE, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, apontou que o Brasil é o país que pior paga professores iniciantes de ensino médio, entre os quarenta países analisados. Enquanto no Brasil esse salário é de 13,9 mil dólares por ano, na Colômbia e no México as médias salariais são de 21,9 mil e 27,2 mil, respectivamente. Na Alemanha, uma das líderes do ranking, a média é de impressionantes 72,5 mil dólares por ano.[1]

Além dos péssimos salários, “professores se encontram hoje sob a intolerável pressão de mediar a subjetividade do consumidor no capitalismo tardio e as demandas do regime disciplinar”, como aponta Mark Fisher. [2] Com as baterias burocráticas, o trabalho na educação passa a ser orientado mais para a geração e manipulação de dados e informações, do que para os objetivos oficiais do trabalho de um professor.

Ainda que esse enlace entre baixos salários, saúde mental e burocracia extremada requeira complexas explicações, descaso e desrespeito com professoras e professores brasileiros parecem não ser contingenciais, especialmente após o regurgito dos discursos de extrema direita.

Em novo ataque à educação, pela voz de Eduardo Bolsonaro, professores foram comparados à traficantes: “Prestem atenção na educação dos filhos. Tirem um tempo para ver o que eles estão aprendendo nas escolas e não vai ter espaço para professor doutrinador tentar sequestrar nossas crianças. Não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante de drogas que tenta sequestrar e levar os nossos filhos para o mundo do crime. Talvez até o professor doutrinador seja ainda pior.”

A comparação entre professores e traficantes talvez diga mais do que afirmar que ambas classes fazem mal à sociedade. Maniqueísmos pueris, como esse propagado por Eduardo, são conhecida estratégia de propaganda do maquinário fascista.

Primeiro, seria necessário sublinhar que traficantes são uma espécie de comerciante, que professores são uma espécie de operário e que Eduardo é uma espécie de fascista.

Depois dessa ressalva, podemos testar aproximações entre esses personagens.

Professores também são comerciantes. Com mais ou menos êxito, comerciam conhecimento, esclarecimento, criticidade e afetividade. Quando as coisas vão bem, trocam estudo elaborado por vontade de conhecer.

Já os traficantes são, majoritariamente, também operários. Estão no chão da fábrica. Aviõezinhos dos barões do tráfico. Poeira na estrutura do capitalismo hostil do comércio de drogas.

Por outro lado, se traficar é praticar negócios clandestinos, professores, além de operários e comerciantes, também são traficantes.

Pdf de livro, por exemplo, é a cracolândia da educação brasileira. Se o FBI e a ABIN entrarem nos arquivos de professores e alunos no Brasil, não sobra um. Vai todo mundo em cana por tráfico de pdf.

Isso sem falar no mercado sujo dos décimos na média. Das reaberturas de prazo por baixo dos panos. Da vista grossa com atestados suspeitos. Tudo maldade em estado bruto desse professorado corja.

O mesmo ímpeto laborativo que parece ser o denominador comum entre professores, traficantes, comerciantes e operários, não se aproxima, no entanto, de Eduardo. Eduardo não ensina, não comercia, não é operário e nem mesmo trafica.

Claro que ele tem viagens internacionais no currículo. Lembrem que foi cogitado para trabalhar com transdisciplinariedade nos Estados Unidos. Intersecções entre hambúrguer e chancelaria. E teve aquela outra viagem internacional para o Qatar para fazer frete de pen drive. Coincidentemente durante a Copa. Normal você ir viajar e, do nada, aparecer uma Copa do Mundo.

Será que o Eduardo sabe que tem mais gente dependendo de traficante do que de professor no Brasil?

Uma aluna, receosa de reprovar, queria saber minha opinião sobre continuar ou não a faculdade. Argumentou que, em casa, todos diziam que era melhor trabalhar do que estudar. Ganhar dinheiro e esquecer os livros. Eu, todo traficante, a incentivei a apostar nos estudos. Doutrinei a aluna vítima para seguir esse caminho demoníaco do conhecimento. E ainda trafiquei quatro décimos na média a favor dela, sequestrando-a impiedosamente para o próximo semestre.

Paulo Ferrareze Filho é psicanalista, professor e pesquisador (IP/USP e Psilacs/UFMG)


[1] Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/education/education-in-brazil_69e1665a-en#page3

[2] FISHER, Mark. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? 1. ed. São Paulo: Autonomia Literária, 2020, p. 49.

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