Por Eduardo Guimarães, Blog da Cidadania –
Muitos pensam que só existe morte quando a pessoa para de respirar, o coração para de bater e cessa a atividade elétrica cerebral – sim, todos funcionamos como robôs, o que explica a forma como a maioria age. Porém, há vários tipos de morte.
A pior das mortes é a morte em vida. Há vários tipos de morte. Um tetraplégico pode até ser condicionado psicologicamente a aceitar sua condição, mas, na prática, sua vida é uma tortura ininterrupta. Quem dá atenção a um tetraplégico? Cuidado não é atenção…
Mas existe um tipo de morte que, sob certo aspecto, é até mais cruel do que a morte real ou a morte da meia vida dos cem por cento incapacitados: a morte social.
Está passando batida uma notícia perturbadora, a absolvição em segunda instância de dois condenados pelo juiz Sergio Moro.
Na última quarta-feira, a 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região absolveu dois executivos da OAS condenados por Moro.
O ex-diretor financeiro Mateus Coutinho de Sá havia sido condenado a 11 anos de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e de pertencer a organização criminosa e o engenheiro civil Fernando Augusto Stremel Andrade foi sentenciado a quatro anos de reclusão por lavagem de dinheiro.
Moro, no entanto, substituiu a pena de Andrade por prestação de serviços à comunidade e multa de 50 salários mínimos.
As defesas recorreram à segunda instância. O relator do processo, o desembargador João Pedro Gebran Neto, acaba de decidir que não havia provas de que os dois cometeram os crimes de que foram acusados por Moro.
O voto de Gebran foi acompanhado pelos outros desembargadores.
Mateus Coutinho de Sá era Diretor Financeiro da OAS quando foi condenado a 11 anos de prisão. A razão? Seu cartão de visitas foi apreendido no escritório de lavagem de Alberto Youssef e, por isso, Moro o considerou responsável pela liberação de pagamentos de propina pela OAS.
Ele permaneceu nove meses preso e foi demitido pela empreiteira após a prisão.
O advogado de Coutinho de Sá, Juliano Breda, disse que a defesa “lamenta o período em que ele permaneceu preso e comemora a absolvição, pois sempre sustentou a sua inocência”.
Fernando Augusto Stremel de Andrade foi condenado a 4 anos de prisão pela assinatura de contratos e outros documentos ideologicamente falsos.
Agora, foi absolvido. Não chegou a ser preso. Seu advogado disse que a condenação não tinha sustentação em provas e o tribunal corrigiu um grande erro de Moro.
O Ministério Público Federal ainda não sabe se recorrerá da decisão.
Se o leitor quiser ler a sentença de Moro, basta clicar aqui. Apesar de extremamente longa, é extremamente interessante ver o processo em que ele tirou a liberdade de pessoas sob razões injustas.
Com efeito, injustiça da Justiça é de tirar o sono.
Essas duas pessoas não são as únicas que, segundo leitura que a 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região acaba de fazer, Moro condenou sem provas. As condenações referem-se à 7ª fase da Lava Jato, desfechada em novembro de 2014.
Além de Coutinho Sá e Andrade, a 7ª fase da Lava Jato fez Moro prender também a cunhada do ex-tesoureiro do PT, Marice Correa de Lima
Apontada pelo Ministério Público Federal (MPF) como suspeita de receber valores ilegais da construtora OAS e repassá-los ao cunhado – o ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) João Vaccari Neto -, Marice Correa de Lima teve a prisão temporária decretada em abril de 2015 e depois prorrogada por mais cinco dias.
Em despacho, Moro, a pedido do MPF, manteve a cunhada de Vaccari presa na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba.
Segundo o juiz, havia provas de materialidade e de autoria do crime de lavagem de dinheiro em relação à Marice Correa de Lima. A defesa da cunhada de Vaccari negava participação dela nos crimes.
“Resolvo prorrogar a prisão temporária por mais cinco dias. Trata-se de decretar medida menos gravosa do que a requerida pelo MPF e que se justifica à luz do princípio da proporcionalidade. A medida oportunizará nova oitiva na qual ela poderá esclarecer ou não sua participação nos depósitos em espécie realizados na conta da esposa de João Vaccari Neto e as circunstâncias que envolveram esses fatos, inclusive a identificação e a localização da fonte de recursos utilizados para os depósitos”, argumentou Moro no despacho.
A prisão de Marice foi um espetáculo transmitido em rede nacional de rádio e tevê porque Moro se enganou. Ele confundiu a cunhada de Vaccari com a esposa dele. Para envolver Marice, o juiz afirmou ter certeza de que era ela a pessoa que apareceu depositando dinheiro na conta de Vaccari, cerca de 2 mil reais, mas, na verdade, quem aparecia no vídeo era a mulher do ex-tesoureiro do PT.
Matéria da Folha de São Paulo mostra que Moro afirmou “ter certeza” de que era Marice no vídeo acima.
A defesa de Marice protestou, a mulher teve que voltar às pressas de congresso do qual participava no exterior para aparecer no Jornal Nacional sendo presa, levada por agentes da Polícia Federal.
Em seguida, porém, o Jornal Folha de São Paulo publicou reportagem que inocentava Marice e mostrava a irresponsabilidade de Sergio Moro ao dizer que tinha “certeza” de que era ela a pessoa que aparecia no vídeo.
Depois disso, o caso dela sumiu. Passou o que passou à toa.
Só a sétima fase da Lava Jato causou três condenações injustas.
Coutinho de Sá pagou a maior das penas. Ficou nove meses encarcerado e perdeu o emprego. Sofreu morte social. Possivelmente perdeu a família, ou esta passou por dramas como falta de recursos para sobrevivência etc.
Marice permaneceu poucos dias presa, mas a exposição exagerada no Jornal Nacional acabou com a sua vida social e profissional.
Stremer Andrade passou pelo constrangimento da condução coercitiva e perdeu o emprego, com os efeitos deletérios que tudo isso deve ter tido sobre todos os aspectos de sua vida.
Apesar de essas pessoas terem sido inocentadas muito tempo depois, a absolvição não teve cobertura da mídia sequer parecida com a cobertura que receberam as acusações. Milhões e milhões de brasileiros nunca saberão que aquelas pessoas acusadas e condenadas em horário “nobre” foram posteriormente inocentadas.
Isso se chama morte social – e profissional. Quem devolverá toda a humilhação, toda a vergonha, todo o sofrimento, todo o prejuízo material que essas pessoas sofreram? Moro destrói vidas e dá de ombro. Chama isso de “efeitos colaterais”.
Sociedades civilizadas entendem que é melhor absolver mil culpados do que condenar um inocente. Não é o caso da nossa, onde a maioria quer sangue, quer sofrimento, quer humilhação dos alvos da vez.
Não haveria prejuízo algum às investigações e ao cumprimento da lei se as prisões ao menos tivessem sido discretas e se as pessoas só fossem encarceradas só após condenação em segunda instância, como passou a ser no Brasil.
O único prejuízo que haveria seria político. Condenações ajudaram o grupo político que queria tirar Dilma Rousseff da Presidência. Se foram injustas, dane-se. Que as vítimas dos “erros” de Moro se queixem ao Papa Francisco, simpático a “comunistas”.