Compartilhado de Jornal GGN –
“Se o procurador-geral não quiser [fazer a denúncia], ele não faz, esse é o risco do sistema”, diz o jurista em entrevista a Luis Nassif, na TV GGN
Há meses as milícias bolsonaristas decidiram subir o tom e, além de fake news, disparam ataques contra a honra e ameaças à segurança dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Cabe à Procuradoria-Geral da República solicitar investigações e oferecer denúncia. Mas quando a autoridade máxima para investigar e denunciar simplesmente decide não fazê-lo, e não há a quem mais recorrer, quem protege a Suprema Corte? Instaurar o inquérito de ofício foi inconstitucional?
Para alguns críticos – e certamente para os aliados do governo que estão na mira do STF – o inquérito 4781 é irregular. Mas, na visão do jurista Lênio Streck, o Supremo apenas acionou um dispositivo previsto no regimento interno, inspirado em um princípio usado no direito norte-americano, para preencher um vácuo no sistema.
“A grande questão é que o sistema não pode ficar com um vazio. Quem protege a Suprema Corte? O procurador-geral tem a última palavra. Ninguém pode obrigá-lo a denunciar. Essa é a parcela de soberania que tem a Procuradoria-Geral da República. Mas se ela tem a última palavra, o Supremo é atacado, e ela nega que esse ataque seja investigado, o que o Supremo tem que fazer? Contempt of court.”
Contempt of court é o princípio que faz com que se desloque para o Supremo a possibilidade dele próprio se defender, explicou Streck em entrevista exclusiva ao jornalista Luis Nassif, na TV GGN, na quarta (27).
Na visão do jurista, no contexto do inquérito das fake news, não cabe uma “análise linear” dos fatos. É uma situação sem precedentes, essa de deixar a Suprema Corte descoberta porque a PGR se recusa a investigar crimes que podem estar associados ao núcleo presidencial.
Mas “não é possível que, na democracia, você não possa fazer nada contra esses ataques que colocam em xeque as instituições”, disse.
Os próximos passos dependem de quão alta será a aposta feita pelo STF e pela PGR.
Pelas regras do jogo, o STF pode concluir o inquérito e repassar as informações à Procuradoria-Geral da República, que vai decidir se apresenta ou não denúncias.
Augusto Aras, escolhido para a PGR por Bolsonaro, já apresentou um pedido para arquivar o inquérito.
Se ele decidir não apresentar denúncia, em tese, não há o que o Supremo possa fazer.
Nos casos em que o Ministério Público peca por omissão ou inércia, cabe uma ação penal pública subsidiária, à revelia dos procuradores. Mas quando o procurador informa os motivos pelos quais decide não oferecer denúncia, “não tem mais saída”, alertou Streck.
“Veja onde estamos chegando. É muito grave essa questão em que parece que o procurador-geral não sopesou bem, politicamente, essa questão. Porque para tentar proteger aquilo que ele diz que é um sistema jurídico, ele está criando um gap constitucional. O raciocínio dele é: como tenho a última palavra, as diligências têm que passar por mim, e como não concordo com elas, estou aqui já emitindo minha opinião sobre o assunto [no pedido de arquivamento]. Aí vem o contraponto, que é o Supremo a descoberto. Talvez o PGR tivesse que analisar como os americanos lidam com isso, porque o bypass [o Supremo ignorando a PGR na fase de denúncia] é um problema que vai surgir logo ali adiante.”
Na visão de Streck, a PGR “está fazendo uma aposta alta no seu próprio poder, na sua última palavra, tanto é que está entrando com ação no próprio STF para dizer que o dispositivo que dá ao STF de fazer o seu contempt of court tem que ser revisto. É uma aposta alta.”
Se tivesse de apostar, Streck diz que o ministro Edson Fachin, quem recebeu o pedido de arquivamento, não irá conceder a liminar para suspender as investigações, que devem seguir até a fase de denúncia.
Agora, o que acontece quando Augusto Aras decidir não fazer a denúncia contra as milícias digitais do bolsonarismo? “Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares”, disse Streck. Na teoria, o que se sabe é que “se o procurador-geral não quiser [fazer a denúncia], ele não faz, esse é o risco do sistema.”
“Se ele [Aras] fizer uma aposta alta e enfrentar o Supremo, vai ser um problema institucional. O direito termina no momento da crise.”
Assista: