Quem são os acampados por Lula em Curitiba?

Compartilhe:

por René Ruschel publicado em Carta Capital – 

Vigília transformou-se em um pacífico movimento de protesto. Além dos militantes e acampados, jovens, idosos e famílias com crianças misturam-se no entorno da PF 

acampamento.jpg
A militância mantém o acampamento vivo – Leandro Taques

A professora Claudia Mortari Schmidt filiou-se ao Partido dos Trabalhadores na tarde do sábado 7. Ela não imaginava, porém, que seu primeiro dia como militante oficial quase terminaria em tragédia. Schmidt estava entre os cerca de 600 apoiadores de Lulaaglomerados no portão principal da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, à espera da chegada do ex-presidente, quando foram atacadas por bombas de efeito moral e balas de borracha. Saiu ilesa.




Nos dias seguintes, a professora engrossou o grupo de manifestantes que transita pelas ruas ao redor da PF. Além de gritar palavras de ordem e ouvir os pronunciamentos, Mortari distribui roupas e convida mulheres acampadas a tomar banho em residências particulares. “É o mínimo que posso fazer por esse pessoal que veio de tão longe.”

Schmidt destoa do perfil da maioria das curitibanas de sua classe social. É casada com um major do Exército Brasileiro, e um de seus filhos, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, ocupa a patente de capitão, mas a família não influencia suas posições.

O DNA progressista, herdou da mãe, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro. “Meu marido e filho, embora discordem de minhas posições políticas, respeitam. O que nos diferencia é que os militares não são treinados para se preocupar com questões sociais.”

Caminhar pelas cercanias da PF, no bairro de Santa Cândida, em Curitiba, seria um ótimo exercício para esses militares de plantão. Equivale a uma aula prática sobre as carências sociais na era Temer. Homens e mulheres acampados sonham em retomar uma vida melhor, com mais oportunidades.

Mas essas disciplinas, de fato, não contemplam os interesses da caserna. Um documento interno, de circulação restrita e assinado pelo comando da 5ª Região Militar, proibiu a tropa de transitar, fardados ou à paisana, nas imediações.

Se os militares, e os curitibanos de forma geral, conhecessem a história de Ari Xavier, 68 anos, que deixou o acampamento Zatalândia, no qual vivem cerca de cem famílias, na pequena Pinhão, região central do Paraná, talvez pudessem entender os campesinos. “A gente só quer regularizar nossa situação, depois plantar e produzir alimentos. Queremos um pedaço de terra para criar nossos filhos.” No governo Lula, lembra o agricultor, a vida era melhor. “Hoje, para sobreviver, temos de trabalhar como boias-frias em colheitas de batata e fazer bicos na cidade.”

Além de Xavier, outros 109 pequenos agricultores do Zatalândia alugaram dois ônibus, trouxeram alimentos, improvisaram a cozinha e dormem em barracas. “Nossa presença é o nosso protesto pela liberdade de Lula”, afirmou.

No acampamento da PF, Xavier e sua turma encontraram as cearenses Cristiane Farias, tradutora e intérprete na Língua Brasileira de Sinais, e Antônia Félix, professora e mestre em Políticas Públicas. “Lula mudou a cara deste País. A grande mudança foi a inclusão social de todos os movimentos historicamente excluídos. Pela primeira vez, milhões tiveram acesso a água e luz. Pode parecer pouco para quem tem muito, mas, para nós, nordestinos, é quase tudo”, resume Antônia.

O baiano Marcelo de Souza, 29 anos, recém-formado em Engenharia Elétrica, não pensou duas vezes. Saiu de Eunápolis para pedir liberdade a Lula. “Minha família é muito pobre. Eu não teria condições de concluir o ensino superior.

Estudei o ensino médio no Cefet e me formei pela Universidade Federal da Bahia. Ambos os cursos foram criados por Lula na minha cidade. Não aguentei ficar em casa. Embarquei sozinho e estou aqui para ser, também, a sua voz.”

Para o jornalista uruguaio Gabriel Mazzarovich, editor do semanário El Popular, a prisão de Lula não produz reflexos apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. “Sua liderança ultrapassa as fronteiras brasileiras. Não tenho dúvidas de que ele é um preso político e lutar por sua liberdade é lutar pela nossa liberdade no Uruguai.”

Mazzarovich justifica sua presença em Curitiba: “Não podemos nos calar, não podemos esperar. Viemos aqui hoje para nos solidarizar com os brasileiros e dizer que ninguém pode encarcerar nossos sonhos. Lula representa a esperança do Brasil e da América Latina”.

A vigília transformou-se em um pacífico movimento de protesto. Além dos militantes e acampados, jovens, estudantes, idosos e famílias com crianças misturam-se no entorno da superintendência. A esquina de uma das ruas que dão acesso à sede da PF, onde militares do Bope fortemente armados aguardavam quem fugia das bombas no sábado à noite, foi batizada de Praça Olga Benário.

Ali, diariamente, um palco improvisado transforma-se em tribuna livre. São realizadas apresentações culturais e os oradores se revezam.  Pela manhã, os militantes aglomeram-se para, em alto e bom som, dar um “bom dia” coletivo ao ex-presidente, encarcerado a pouco mais de cem metros do local.

Na barraca vizinha, é possível escrever cartas para Lula. Depositadas em uma pequena caixa, as correspondências são depois entregues no setor de protocolos da Polícia Federal. “Fiquei muito emocionado enquanto escrevia.

Ele não me conhece, não sabe quem sou eu, mas é uma forma de dar forças nessas horas difíceis e dizer obrigado por tudo o que ele fez por nós, os mais pobres”, afirmou o eletricista Devanir Pereira de Santana, 56 anos.

Na terça-feira 10, oito governadores e três senadores foram impedidos de visitar Lula. O pedido foi negado pela juíza Carolina Moura Lebos, da 12ª Vara de Execuções Penais. “Trata-se de mais uma arbitrariedade, uma agressão ao bom senso. Obviamente, é outro abuso judicial contra Lula”, afirmou na saída o governador do Maranhão, Flávio Dino, porta-voz do grupo.

Marlene Betiol, 62 anos, cozinheira, resolveu “dar uma olhada no movimento”, quando retornava do trabalho na segunda-feira 9. Desembarcou em um dos maiores terminais de ônibus da cidade, a cerca de 500 metros do acampamento. “Votei no Lula. Ele fez um bom governo. No restaurante que trabalho a gente era em 23 na cozinha. Agora só tem 12. E já falam em diminuir. Tenho fé que ele vai voltar.”

O apoio a Lula incomoda a Polícia Federal. Na quarta-feira 11, o Sindicato dos Delegados solicitou a transferência do ex-presidente para outra prisão. Para a associação, o entorno da superintendência foi alvo de “uma invasão de movimentos sociais e outras facções”.

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Compartilhe:

Categorias