Por Reginaldo Prandi, no Jornal USP, compartilhado de Outras Palavras –
Homens, brancos, de meia idade ou mais. Escolarizados e ganham bem. Estão nas cidades mais ricas. Perfil dos 12% da população que forma a tropa de choque do presidente, grupo preconceituoso e ignóbil que encontrou, enfim, seu porta-voz
Para classificar o grau de afinidade e rejeição dos brasileiros e brasileiras ao presidente, Mauro Paulino e Alessandro Janoni construíram uma escala de seis pontos baseada no voto declarado em Bolsonaro no segundo turno, na avaliação de seu governo e na confiança em suas palavras. O grupo dos mais afinados com Bolsonaro é formado pelos que votaram nele, aprovam seu mandato e concordam com suas declarações. São seus adeptos fiéis, entusiastas fanáticos, para não dizer adoradores em qualquer circunstância. Representam 12% da população com 16 anos ou mais. É o chamado grupo heavy do presidente, aquele núcleo duro de apoiadores irrestritos constituído por bolsonaristas radicais. Outros 30% estão no extremo oposto: não votaram em Bolsonaro, reprovam seu governo e discordam do que ele diz. Sobram 58% que se distribuem pelas categorias intermediárias, ora apoiando, ora rejeitando palavras e medidas do presidente, a depender de cada situação (pesquisa nacional do Datafolha com 2.878 entrevistados em 29 e 30 de agosto, Folha de S. Paulo, 4/7/2019, p. A10).
O grupo dos 12% heavy não se destaca por seu tamanho, mas se sobressai por garantir uma base social concreta que legitima um presidente que afronta princípios da democracia, da cidadania, da solidariedade e do respeito ao próprio cargo que ocupa. Um presidente que trata como lixo o meio ambiente, a educação e a ciência, que não se vexa de se mostrar ignorante, malformado e mal-informado, preconceituoso, useiro e vezeiro de expressões chulas. Aliás, de poucas palavras, argumentação precária e articulação de frases travada.
Um bom cristão tradicional talvez pensasse: não são essas as características do diabo? Mas, enfim, deixa pra lá… O fato é que ele aplaude torturadores, sente saudades da ditadura e trata com desdém as minorias ainda necessitadas da proteção do Estado. Se repito aqui o que já sabemos até as tampas, é apenas para demostrar que não há nada de subjetivo na afirmação de que o presidente Bolsonaro é do mal. Os 12% de apoiadores irrestritos dividem com ele, com certeza, muito disso tudo, aprendendo com seu líder a pôr na conta de um suposto e duvidoso socialismo a ser exterminado o que lhes parece errado e contrário a seu moralismo tosco. É uma parte ruim da população que já existia e que nunca teve quem falasse por ela ao ouvido da nação. Agora tem. Vale a pena descrever um pouco, com dados do Datafolha (PO3997), quem são esses 12% que constituem os pilares do presidente.
O grupo dos 12% é mais masculino que feminino. Estão aí 15% dos entrevistados do gênero masculino e 10% dos do feminino. À medida que a idade sobe, cresce a fileira de seguidores. São 5% na faixa de 16 a 24 anos, 9% na de 25 a 34 anos, 12% na de 35 a 44 anos, 16% na de 45 a 59 anos, e 19% na faixa de 60 anos ou mais. Nada de novo: conservadorismo e medo da mudança usualmente crescem com a idade.
Ainda que pequeno, o grupo dos 12% tem uma força social acima da média brasileira. Não é uma fatia majoritariamente de pobres nem de desinformados, não são ignorantes inocentes. Sua presença aumenta com a renda familiar mensal medida em salários mínimos: na categoria de renda que vai até dois salários, há 5% de entrevistados incluídos no grupo heavy. Essa taxa sobe para 15% no grupo de dois a cinco salários e vai para 23% no de cinco a dez salários, alcançando 25% na categoria que tem renda maior que dez salários mínimos por mês. Outro bom indicador de estratificação social é a escolaridade. No grupo de apoio irrestrito a Bolsonaro, estão incluídos 12% dos que tiveram o ensino fundamental como nível maior de escolaridade, 11% dos de nível médio e 16% dos que tiveram educação superior.
A distribuição por cor é outro indicador que ajuda a entender melhor o grupo. Fazem parte dele 5% dos indígenas, 8% dos pretos e igual número dos amarelos, 11% dos pardos e 17% dos brancos. É razoável concluir que os heavy de Bolsonaro não retratam o Brasil. Pelo que se viu até aqui, o grupo pode ser representado por um homem branco de idade madura, escolarizado e de estrato social de médio para alto.
Em termos ocupacionais, apenas 8% dos assalariados sem carteira e 12% dos assalariados com carteira estão no grupo. O número sobe a 19% entre os trabalhadores autônomos e atinge os 32% entre os empresários. Diferenças brutais. As donas de casa e os desempregados também são menos afeitos aos atrativos do bolsonarismo radical, cada categoria se inserindo com 8%, enquanto se agregam ao grupo 20% dos aposentados, justamente a categoria que o governo Bolsonaro trata com desprezo explícito, como os grandes responsáveis pelas disfunções da economia brasileira. Os estudantes, contudo, salvam a autoestima democrática: apenas 3% deles se deixam seduzir pelo voto em Bolsonaro, seguido da aprovação cega de seu governo e da credibilidade consentida às suas declarações diárias.
Fica confirmada, em termos de anuência à reviravolta bolsonarista retrógrada pela via da direita, a discrepância entre as regiões do País. Enquanto no Sul e no Sudeste 14% dos brasileiros seguem de olhos fechados o presidente do mal, permanecendo outras regiões com contribuições próximas a essa, o Nordeste reduz sua participação à metade, a 7%. Entretanto, o tamanho dos municípios, em qualquer região, não se mostra como diferencial importante; nem o fato de se morar na capital ou no interior.
Daquele hipotético homem branco, de idade mais madura e elevada extração social, podemos dizer também que se trata de um empresário que mora nas regiões mais ricas do País, nos mais diferentes tipos de municípios. Estamos perto de perguntar: é ou não é uma questão de classe social?
Desde que os evangélicos acorreram à política partidária para a defesa de seus interesses na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, e nunca mais pararam de crescer como efeito paradoxal da secularização em curso da sociedade brasileira, a religião é outro fator importante para tratar de assuntos eleitorais. Na formação do grupo dos 12% do presidente não poderia ser de outra maneira. Dentre católicos, evangélicos tradicionais e espíritas é de 13% a taxa dos pertencentes aos heavy, número próximo à porcentagem que define nosso grupo. Algumas outras religiões estão perto disso. Mas os neopentecostais e os sem religião, exatamente os dois segmentos que mais crescem no Brasil no âmbito religioso, são os que mais se afastam, e em sentidos opostos, da média geral. Dentre os neopentecostais, são bolsonaristas roxos 23%; dentre os sem religião, 7% apenas.
O que aqui se apresentou ajuda a saber quais grupos sociais estão mais fortemente, ou completamente, afeitos a Bolsonaro, seu governo e suas manifestações nem sempre civilizadas e quase nunca promissoras para um Brasil que se queira afinado com a civilização ocidental e seus avanços. De fato, traça um retrato de um país ruim de se ver e pior ainda de se viver. Mas o bolsonarismo não é só isso. Muitos dos traços inquietantes aqui apresentados são atenuados quando se examinam outras categorias intermediárias geradas pela escala Paulino-Janoni do Datafolha. Nem o Brasil vai assim de tão mal a pior: em oposição aos 12% do presidente, há, do outro lado, 30% de brasileiros que rejeitam completamente o bolsonarismo definido pelas três dimensões aqui analisadas: o voto, o apoio ao governo, a confiança no discurso. E as categorias intermediárias têm muito a dizer. Vale lembrar que os bolsonaristas que fazem alguma crítica ao presidente somam 26%, enquanto os que são contrários a Bolsonaro mas aceitam aspectos de seu governo e seu discurso são 32%. Certamente, pelo que suas atitudes recalcitrantes indicam, é no espelho dos 12% que o presidente prefere ver sua imagem refletida. Com um toque religioso meramente utilitário, quando não interesseiro.