De RFI, compartilhado de Carta Capital –
Todo mundo pode cruzar com uma bomba viral humana
“Super-spreaders” em inglês, ou supercontaminadores em tradução livre, são indíviduos que transmitem uma doença para um número bem maior de pessoas em comparação à média da chamada taxa de reprodutibilidade, o R0, termo popularizado pela epidemia da Covid-19.
No caso da epidemia do coronavírus, manter o R0 abaixo de um é fundamental para evitar que o vírus se propague de maneira desenfreada, provocando o colapso do sistema de saúde, situação observada em diversos países europeus na primeira onda.
Na prática, isso significa que um doente, sintomático ou não, contamina menos do que uma pessoa – na França, o R0 já está em 1,20 e as autoridades seguem alertas para evitar um novo pico epidêmico. Com o fim do confinamento e o relaxamento das medidas de proteção, como uso de máscaras e o distanciamento social, o risco de aparecimento dos “super-spreaders” aumenta e pode desencadear uma rápida propagação do vírus.
Foi o caso do primeiro pico epidêmico na França, onde um encontro reuniu, em fevereiro, milhares de pessoas de uma igreja evangélica em Mulhouse, no leste do país, uma das regiões mais atingidas pela epidemia. Considerada como um dos primeiros focos de propagação do SARS-Cov-2 na França, a reunião resultou na morte de 72 pessoas e contribuiu para a difusão do vírus em todo o território nacional.
O número de casos foi atribuído pelos especialistas à presença de um supercontaminador em uma situação propícia à infecção – pessoas próximas, em um local fechado, cantando e se tocando. “O fenômeno de supercontaminação é uma medida dessa heterogeneidade, dessa variação no número de casos que uma pessoa infecta”, disse o epidemiologista Julien Riou, da Universidade de Berna, na Suíça, em entrevista à RFI Brasil.
Ele explica que se o R0 estiver a 2, por exemplo, um doente vai, em média, passar o vírus para outros dois indivíduos. Já um supercontaminador pode transmitir para trinta ou mais. “Esse novo coronavírus tende a criar mais variabilidade. Há muitas pessoas que transmitem pouco e poucas que transmitem muito”, explica. Esse também era o caso o SARS 1-Cov-1, que surgiu em 2001 na China, e do MERS-Cov, ambos parentes do SARS-Cov-2, que surgiu na Arábia Saudita em 2013.
Os fatores que levam alguém a espalhar mais a Covid-19 do que os outros não estão totalmente explicados, mas sabe-se que, em algumas pessoas, o vírus vai se multiplicar muito e estar presente em grande quantidade nos espirros e nas secreções.
Fatores sociais
O fator social também é decisivo: quando os contatos se multiplicam, associados a situações de risco, podem gerar fenômenos de supercontaminação. É o caso de locais que reúnem muita gente, como hospitais, encontros religiosos, empresas, casas de repouso ou reuniões públicas lotadas, mesmo a céu aberto. “Sabemos que o supercontaminador existe, mas não conseguimos ainda entender, em detalhes, quem ele é”, diz o epidemiologista.
No caso da gripe os “super-spreaders” em geral são pessoas que têm doenças autoimunes ou várias patologias. Elas espalham o vírus por mais tempo, porque têm mais dificuldade em eliminá-lo. Mas, em relação à Covid-19, não há estudos suficientes que permitam tirar tais conclusões. A supercontaminação existe, é fato, e há casos documentados – um dos mais impressionantes é o de um operário em Gana, na África, que teria contaminado sozinho 533 funcionários de uma fábrica.
Flutuações
Todo mundo pode cruzar com uma bomba viral humana. Por isso, restringir os contatos sociais para preservar a si mesmo e sua família é essencial, lembra o especialista. A estratégia europeia, diz, permitiu controlar a epidemia e é preciso manter as orientações preconizadas pelas autoridades.
“A Europa foi a área mais atingida depois da China. Tivemos situações dramáticas na Itália, na França, mas as pessoas perceberam a gravidade da situação e aceitaram o confinamento. Foi um sacrifício enorme confinar”, diz. As medidas foram tomadas um pouco tarde demais, mas funcionaram – o que não era certo. O resultado é que esse esforço coletivo deu certo, levando ao controle da epidemia, contrariamente ao Brasil e aos Estados Unidos.
O epidemiologista suíço prefere falar em “flutuações” do que em uma segunda onda epidêmica. “Enquanto não houver uma vacina, haverá flutuação com aumento e queda do número de casos. A transmissão depende do número de contatos que temos com outras pessoas”, lembra.
A questão é matemática: quanto mais a população relaxar, maior será o número de casos. Para Julien Riou, como o confinamento funcionou, as pessoas agora estão preparadas para aceitar medidas rígidas para controlar a propagação do vírus. “É necessário encontrar um meio termo entre a economia, a atividade e o controle”, reitera.